quarta-feira, outubro 31, 2007

Copa do Mundo: começa a "Guerra Civil"

Fonte: Portal do Estadão
por Marcos Guterman
Seção: Todo mundo, América Latina 19:17:50.


"O Brasil acaba de ser escolhido como sede da Copa de 2014. Até o pontapé inicial, porém, serão sete anos em que uma espécie de “guerra civil” terá lugar no país: de um lado, o grupo dos que acham que o Brasil dos corruptos e dos assassinos não tem a menor condição de sediar uma Copa; do outro, o exército daqueles que vêem a competição como uma catarse pátrio-religiosa de proporções cósmicas.

A turma do contra argumenta que o futebol, como expressão popular de enorme envergadura no Brasil, é usado de forma cafajeste por políticos inescrupulosos para angariar simpatia e votos. O exemplo que costuma ser invocado a esse respeito é o da Copa de 70 – cujo triunfo brasileiro, de acordo com os críticos, teria servido para catapultar os projetos megalomaníacos do governo Médici ao mesmo tempo em que desviava a atenção pública da violenta repressão à oposição. Há vários vergonhosos subprodutos desse fenômeno, e o mais famoso deles é o caso do então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, que presenteou os tricampeões do mundo com Fuscas pagos com dinheiro público.

Jango e os campeões de 1962: a esquerda também manipula

Mas a manipulação do futebol no mundo da política brasileira não é uma exclusividade de regimes de exceção ou de políticos calhordas de direita. João Goulart, que presidia o Brasil quando a seleção foi campeã do mundo no Chile, explorou o quanto pôde a conquista, e estranhamente isso não costuma ser objeto de crítica. FHC, presidente habitualmente reputado como um dos mais corretos da história republicana, fez questão de segurar a taça obtida pelos pentacampeões do mundo em 2002, em pose de capitão do time.

Assim, Lula, ao jogar suas fichas na cerimônia que oficializou o Brasil como sede da Copa, nada mais fez do que seguir o script de qualquer presidente em situação semelhante. Criticá-lo por explorar o momento é achar que política é coisa de monges beneditinos.

Do outro lado da trincheira estarão os arautos da brasilidade, os mensageiros do evangelho canarinho e os voluntários da pátria em chuteiras. Para esses guerreiros, não será permitido duvidar do valor que a Copa do Mundo tem para o Brasil nem levantar questionamentos mesquinhos, como a insegurança do país, o estado lastimável dos estádios de futebol, a falta de transporte público adequado para uma competição como essa, entre outras heresias. Falar disso é “torcer contra o Brasil”, e provavelmente o discurso negativo será abafado, sempre que necessário, pelo tradicional ufanismo que cerca mobilizações nacionais desse gênero.

O problema do fundamentalismo futebolístico verde-amarelo é que ele efetivamente colabora para que eventuais desvios criminosos no processo de adequação do Brasil às necessidades da Copa sejam vistos como uma espécie de “mal menor” diante da grandeza do evento. Tudo isso, claro, considerando-se como certo que o Brasil ganhará a Copa. Se perder... Bem, a derrota, neste caso, como em 1950, deverá ter o devastador efeito de dizimar utopias – e é difícil dizer que Brasil emergiria desse novo Maracanazo, mas certamente será um país mais cético, mais dividido e mais triste."