terça-feira, setembro 16, 2008

Abrindo Caminho Para a Política Moderna- Maquiavel

Nota Importante: Os posts da série “Abrindo o Caminho da Política Moderna” foram criados com o objetivo de facilitar o acesso dos leitores pouco acostumados às obras do pensamento político moderno, para que possam se sentir mais confortáveis no momento de ler os originais dos autores aqui citados. Não tem, portanto, a intenção de ser um texto que contemple todas as idéias e teorias dos clássicos, mas que possa, de alguma forma, oferecer os elementos cruciais para que, ao ler a obra original, a essência do pensamento de cada um seja imediatamente captada.


Parte 1: Maquiavel

Se a “chave” para compreender o pensamento maquiavélico é a idéia das inúmeras rupturas promovidas por seu pensamento e a “chave” para compreender o pensamento hobesiano é a idéia do estado de natureza, o caminho para definir o pensamento de Locke é o conceito da propriedade privada.

Já afirmei diversas vezes que todos os teóricos e filósofos importantes da Ciência Política eram observadores de seu tempo e faziam desta ação seu ofício. Observar, analisar e criticar eram as principais etapas na construção de suas teorias. Dessa forma, se Maquiavel antecipou-se ao criar o homem de virtù, sabedor da decadência do poder da Igreja Católica Romana que defendia o “mundo das verdades reveladas”, tanto Hobbes, quanto Locke atreveram-se a explicar certas particularidades promovidas pelo fim do feudalismo e início do capitalismo. Devemos recordar que a Inglaterra de Locke fora transformada em um império mercantil a partir da segunda metade do século XVI e que as alterações nas relações de força promovidas pelas novas relações políticas e comerciais da época contribuíram para a construção do pensamento político do período.

Recordemos, pois, desde o início da Ciência Política Moderna, o processo de construção do pensamento político a partir de Maquiavel.

Como disse, Maquiavel é marcado pelas inúmeras rupturas propostas em sua obra fundamental “O Príncipe”. A moral versus a política, a igreja versus a ciência, a virtù versus a fortuna; todas elas são dicotomias apresentadas para reforçar a negação de tudo aquilo que fizesse parte das influências da Igreja e da religião no campo político.

Lembrem-se de Bobbio, ao analisar Maquiavel, o qual afirmou que “Aquilo que é obrigatório em moral nem sempre é obrigatório na política, e aquilo que é licito na política nem sempre é licito na moral. Podem existir ações morais que são apolíticas e ações políticas que são imorais.” A objeção de Maquiavel às influências da igreja no campo político ocorrem ao mesmo tempo em que, nas palavras de Marco Mondaini, a legitimidade de uma sociedade hierarquizada, fundada em privilégios de nascença perdeu força. Agora, a questão não era mais como alcançar o Poder, mas sim, como mantê-lo após conquistado; em outras palavras, é possível estabelecer relações de força e aplicar a violência para vencer e conquistar, mas este mesmo procedimento se tornou ineficaz para fazê-lo subsistir.

Nos tempos em que o homem passa a dominar a natureza, a explicar seus principais fenômenos e a promover o pensamento científico em detrimento dos dogmas religiosos, a descoberta da verdade não mais dependia de forças espirituais, mas sim do esforço criativo do homem. Nessa linha, persistir com as teses de que o Poder era uma bênção para afortunados escolhidos por Deus tornou-se algo tão anacrônico quanto imaginar que a proteção divina destes líderes políticos justificaria suas ineficácias e arbitrariedades cometidas contra seus súditos.

Ao romper com o paradigma da legitimidade da posse do Poder baseada em princípios divinos, Maquiavel percorre, na política, um caminho irreversível cujos passos foram seguidos por outros pensadores dos séculos seguintes. O rompimento de Maquiavel proporcionou a autonomia que a política necessitava para se desenvolver e se transformar. Este processo de “libertação” do pensamento político também se revela nas diferentes formas de organização social, cujo marco simbólico pode ter sido o momento em que os indivíduos deixaram de ser súditos e transformaram-se em cidadãos.

Abrindo Caminho Para a Política Moderna- Hobbes e Locke

Nota Importante: Os posts da série “Abrindo o Caminho da Política Moderna” foram criados com o objetivo de facilitar o acesso dos leitores pouco acostumados às obras do pensamento político moderno, para que possam se sentir mais confortáveis no momento de ler os originais dos autores aqui citados. Não tem, portanto, a intenção de ser um texto que contemple todas as idéias e teorias dos clássicos, mas que possa, de alguma forma, oferecer os elementos cruciais para que, ao ler a obra original, a essência do pensamento de cada um seja imediatamente captada.


Parte 2: Hobbes e Locke

Escrever sobre Política é escrever sobre Poder, afinal, o que desejam os políticos, com boas ou más intenções? Change the World? Save the Planet? Save the Whales? Save the Children? Não! Achive Power!!! Sim, caros leitores, os Políticos querem o Poder e o problema dos cidadãos comuns, como eu e você, é pensar que obter e exercer o Poder são coisas reservadas somente aos Políticos. Quantos cidadãos vocês conhecem que pensam exatamente assim: imaginam que o exercício do poder só se realiza quando “se chega lá”!

Pois esta forma de pensamento típico de países despolitizados como o nosso não é uma novidade. De maneira diferente, Hobbes e Locke inauguraram esta discussão sobre a forma do exercício do Poder. Para meus alunos e ex-alunos vocês se lembram: tanto Hobbes quanto Locke são “contratualistas”. Na teoria hobbesiana, a humanidade passou de um período chamado “estado da natureza” para o “estado civil”. No “estado da natureza” não existiam regras, não existiam leis e eram todos contra todos (para tentar imaginar como eram as coisas, vá ao estádio de futebol em um domingo, sente-se naquela parte vazia da arquibancada que separa as torcidas do Palmeiras e do São Paulo ─ do Corinthians o exemplo não se aplica porque eles estão na segunda divisão ─ acaricie um pastor alemão da Polícia Militar, vista qualquer uma das camisetas e vá ao encontro da torcida contrária à cor da camiseta que estiver vestindo e descubra o verdadeiro “estado da natureza”). No processo das experiências históricas, o homem percebeu que um Poder soberano era necessário para garantir a paz social. Trata-se de um juiz que, baseado nas regras existentes, aplica a lei de forma soberana garantindo assim a justiça para todos. Essa é a teoria e este é o “estado civil”. Para fazer essa passagem histórica, o homem criou regras e leis, criou juízes e um grande aparato estatal destinado a exercer da melhor forma possível seu poder. Hobbes ilustrou essa passagem com a figura de um contrato. Para ele, a passagem do estado da natureza para o estado civil deu-se por meio de um contrato entre os homens fazendo com que o Estado fosse criado. Por isso ele é chamado de “contratualista”.

Locke concordou com essa tese e reafirmou suas bases ao escrever sobre o tema. Entretanto existem diferenças fundamentais entre Hobbes e Locke, pois se ambos concordam com a teoria da passagem do “estado da natureza” para o “estado civil”, ambos discordam absolutamente sobre as razões deste processo e a forma como o Estado moderno iria exercer o seu poder sobre o povo.

Antes, no entanto, de explicar quais as diferenças entre Hobbes e Locke, é importante fazer um alerta sobre a idéia da passagem do “estado da natureza” para o “estado civil”. Ainda que tenha a necessidade de ilustrar certas teorias, criando figuras e exemplos caricatos (como na brincadeira que fiz com o torcedor das arquibancadas), tenho uma especial preocupação em fazer com que meus alunos e leitores não compreendam as teorias dos clássicos como se fossem temas simples e usuais. Não. O tema, de fato, é complexo e exige por parte dos leitores algum poder de abstração. Isso serve no exemplo da passagem do estado da natureza para o civil. Em nenhum momento um troglodita, que minutos antes guerreava com outro troglodita, criou um contrato no papel em que ambos assinaram e saíram felizes com a existência do Estado Moderno. Hobbes, ao citar o “estado da natureza”, não está falando literalmente sobre indivíduos não civilizados, mas sim sobre o comportamento humano, independentemente do local ou do tempo. Trata-se de um retrato sobre a natureza humana e não sobre pessoas de carne e osso, enfim, o estado da natureza é uma forma de abstração do pensamento hobbesiano que serve para apoiar sua tese de que em algum momento na história, uma transformação social criou as primeiras instituições políticas, as quais foram representadas pelo que chamamos hoje de Estado Moderno.

Feita esta importante consideração, resta-nos voltar às explicações anteriores. O filósofo John Locke “dialogou” bastante com Hobbes. A diferença entre eles é que Hobbes defendia o poder absoluto e soberano de um líder político traduzido na figura do monarca despótico, ou seja, aquele rei que tudo pode e exerce seu poder sem limites. Para Hobbes, a autoridade absoluta era justamente o elemento que manteria as sociedades em paz, uma vez que a força era um elemento fundamental do exercício do poder político. Neste caso, o povo deveria temer e se sujeitar a esse poder. O poder do líder não era legitimado pelo povo, nem consentido, o poder do líder era baseado no medo e no terror impostos por meio da força.

Locke acreditava na tese da passagem do estado da natureza para o estado civil. Também entendia que o Estado Moderno, criado por meio de um pacto, viera com a função de manter a paz social e defender o povo das ameaças externas. Também concordava que para controlar os homens em “estado da natureza” deveria existir uma força maior que pudesse fazer o uso da violência exclusiva em nome da segurança de todos. As semelhanças com Hobbes não vão muito mais longe do que isso. Ocorre que se Locke aprecia a idéia da formação de um Estado com poderes para manter a paz social, ele entende que este Estado fora criado pelos próprios indivíduos e não algo imposto a eles como no modelo hobbesiano.

Locke entende que o estado da natureza não era algo ruim, pois na lei da natureza os homens são livres e iguais. O problema estava naqueles indivíduos que iam contra a lei da natureza, renunciando à razão e dando o direito a outros de castigá-lo. Essa idéia demonstra o ciclo vicioso em que cada integrante de um meio social que infringe as regras deve ser castigado e, dessa forma, ao ser castigado procurará vingar-se daqueles que o agrediram. A solução para interromper este tipo de processo auto-destrutivo é abrir mão de seu direito de fazer justiça entregando-o a um corpo político que representasse a maioria das pessoas, ou seja, o Estado.

Portanto, no caso de Locke, o Estado fora criado pelos homens, os quais abriram mão de seu poder individual de fazer e executar as regras e deram esse poder a uma instituição política maior. Neste caso, trata-se de um poder consentido, legítimo e baseado na escolha da maioria absoluta. Percebam a diferença entre Hobbes e Locke neste ponto. Ambos compartilham a idéia de um Estado que deverá usar a força e a violência para manter a paz social. A diferença está no fato de que um tipo de Poder é imposto e exercido por um só líder, enquanto o outro é legitimado pela maioria e compartido entre diferentes instituições, dentre elas um Parlamento.

Como já afirmei anteriormente, este texto pretende ser o ponto de partida para quem iniciará as leituras sobre esses autores ou uma forma de simplificar e facilitar a interpretação dos textos para aqueles que já leram, mas precisam de outras informações para fixar o tema ou clarear algumas idéias.

Na obra de Locke ainda existem temas muito importantes, com destaque para a questão da propriedade privada, a qual usarei de “gancho” para o texto sobre Weber e Marx.