Quando desembarcou do navio que o trouxe da Itália, o jovem imigrante logo imaginou que morreria neste país, provavelmente em algum bairro da cidade de São Paulo. Seu primeiro trabalho fora o de vendedor de roupas, mas às vezes a vida nos dá sinais que sequer imaginamos ou os entendemos. Dessa forma, o jovem italiano, nascido na cidade de Cremona, teve nas cozinhas sua primeira forma realmente rentável de sustento.
Ele vendia fogões.
Mais tarde, os sinais teimaram em aparecer, quando ele se transferiu para a cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, onde trocou os fogões pelo gás. Assim, anos depois, tornou-se o maior distribuidor da cidade, porém desejava mais. Depois de muito tempo separado, apaixonou-se por sua antiga melhor amiga. Tinham outros laços afetivos, pois a forte amizade de outrora fez dele o padrinho de batismo do único menino dela, o terceiro filho nascido em um verdadeiro clã feminino.
Já passava dos sessenta anos. Estava naquela idade em que a maioria dos viventes pensa em “descansar”, “curtir a aposentadoria” e outras estratégias que as pessoas inventam para morrer devagar. Porém, sua nova companheira acreditava que ainda existia muito tempo para se realizar sonhos e assim incentivou-o a abrir um restaurante para que pudesse concretizar um antigo projeto: cozinhar as receitas de sua mãe e treinar seus próprios dotes culinários. E assim, depois de vender fogões e gás, decidiu que usaria ambos para esquentar panelas com coisas gostosas dentro.
Alugou um espaço, fez pequenas reformas e mandou pintar. Resolveu inaugurar seu restaurante antes que estivesse pronto. A vida era uma ansiedade. E desde o dia em que abriu seu restaurante, ainda com cheiro de tinta, uma escada de pintor encostada na parede e aquele monte de jornal espalhado pelo chão, “La Cucina di Tullio” se enche de vorazes clientes, ávidos para navegar nas gôndolas, pastas e temperos do lugar.
Pouco tempo depois começou a receber seu reconhecimento: uma estrela no Guia Quatro Rodas por cinco anos consecutivos, Melhor Chef da Cidade e a Stella d’Identità Italiana (Estrela de Identidade Italiana), uma honraria que é merecidamente ofertada a restaurantes em funcionamento fora da Itália, que preservam a arte da culinária italiana, respeitando sua verdadeira tradição gastronômica.
E enquanto tanta gente lhe rende honrarias, Tullio gosta mesmo é de homenagear a sua companheira. A mulher que com todo aquele amor estimulou sua criatividade e coragem para arriscar-se em um empreendimento misteriosamente complexo. Ao menino, aprendiz de cozinheiro, seu padrinho lhe proporcionava a oportunidade de provar suas invenções nas refeições familiares. Foi ele quem, já adulto, ajoelhou ao provar a Gôndola, que seria mais tarde o prato mais famoso do restaurante. A Gôndola é aquele barquinho que leva os casais apaixonados pelas águas de Veneza. Foi ela que inspirou essa história e para ninguém ficar com vontade, uma das receitas de Gôndola eu apresento no link abaixo.
Já o menino sortudo... bem, esse menino sou eu!
http://video.globo.com/Videos/Player/Entretenimento/0,,GIM420395-7822-N-GONDOLA+IMPERATORE,00.html