(O texto que segue foi originalmente publicado na Revista Staff, edição 03/05 na seção de política. Vou publicá-lo no blog, pois ele segue a linha a que me propus, qual seja, escrever algumas experiências bem sucedidas do campo político)
A Fé e a Técnica
Após 40 dias de uma impiedosa chuva, a cidade de Monterrey, capital do Estado de Nuevo León, no México, viu suas ruas serem arrasadas pelas águas. Era o ano de 1718 e o desespero tomava conta dos moradores locais. Reza a lenda, que num bairro quase fora da cidade vivia uma índia tlaxcalteca. Quando a índia viu a inundação rapidamente chegando até seu bairro ela foi ao seu encontro e, cheia de fé, aproximou da correnteza uma imagem da “Virgem de La Purísima” fazendo com que as águas imediatamente perdessem força. Em seguida a inundação acabou e a índia tlaxcalteca salvou seu bairro e toda a cidade.
Quase 300 anos depois a fé continua a existir em Monterrey, mas o governo local decidiu lançar mão de outras “técnicas” para resolver seus problemas mais prementes. Dentre todas as dificuldades a pior é a da violência. A violência é um problema que se manifesta das mais variadas formas e com distintos graus de intensidade: são os furtos, roubos e seqüestros nas ruas, o assédio sexual nos ambientes de trabalho, filmes e noticiários nas televisões, sem contar os maus tratos, estupros, agressões e ameaças perpetrados contra mulheres e crianças por seus próprios parentes, dentro de suas casas. Infelizmente, como podemos observar, esses acontecimentos estão em toda parte do mundo e seus laços sombrios e invisíveis acabam aproximando lugares dos mais diversos, tais como Nova York com Cabul, Jerusalém com Bagdá, São Paulo com Bogotá e porque não dizer, Campinas com Monterrey.
Entretanto, a maneira de enfrentar os problemas são diferentes em cada um desses lugares. Em Monterrey, onde a fé é um ingrediente a mais da cultura local, o governo optou por não só investir nas polícias locais: aumentou os investimentos na área social e criou o Centro de Atenção às Vítimas de Delitos. Esse centro trabalha diretamente com aqueles que sofreram algum tipo de violência na cidade. O objetivo é romper com a sórdida corrente da reprodução dos atos violentos, tão comum nas sociedades que não crêem na justiça e não mais esperam dela, a resolução de seus conflitos. Assim, a tarefa é desestimular a desforra, a revanche e a “defesa da honra”, argumentos comumente defendidos e praticados por aquelas vítimas sedentas por vingança. Quando o Centro de Atenção consegue quebrar essa corrente a violência diminui e as pessoas passam a ser mais tolerantes em outros aspectos de seu cotidiano, como no trabalho, no trânsito e nas suas relações pessoais e familiares.
Para obter sucesso nessa empreitada, o Centro de Atenção às Vítimas realiza um trabalho integrado com o setor de saúde da cidade, justiça e diversos outros grupos sociais envolvidos. Todos os meses, recebe uma média de 200 chamadas telefônicas, atende 150 vítimas e faz a prevenção com outras 1500 pessoas. Sua estrutura é formada por 7 advogados, 10 psicólogos, 2 assistentes sociais, 1 especialista em criminologia, 1 engenheiro de sistemas, 6 pessoas que atuam no setor administrativo, além dos inúmeros voluntários, a maioria estudantes das Universidades locais. Essa equipe oferece, aproximadamente, 600 serviços diferentes.
Todas essas atividades já foram reconhecidas pelo Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, pela Comissão de Direitos Humanos do Estado, e diversas outras instituições tanto do México, quanto de outros países. Mas o mais importante é o reconhecimento dos cidadãos de Monterrey, que se não podem mais contar com o poder da fé da índia tlaxcalteca e sua “Virgem de La Purísima” para resolver seus problemas emergenciais, ao menos têm na força da sociedade e na vontade do governo a chance de viver em uma comunidade mais tranqüila e pacífica.
terça-feira, agosto 07, 2007
domingo, agosto 05, 2007
A Democracia, a Política, as Mulheres e as Meninas do Paquistão
O Paquistão é um dos países do mundo que mais aparecem nos noticiários desde os ataques terroristas de 11 de setembro. O país foi aliado crucial para a estratégia norte-americana de movimentação e deslocamento de tropas e de apoio político regional no combate às organizações terroristas, principalmente a Al-Qaeda.
Inimigo histórico da Índia, o Paquistão disputa, desde 1945, a região da Caxemira com aquele país. A preocupação maior neste momento é que com o acirramento das tensões entre ambos países, uma guerra aberta pode ser iniciada. Esse conflito bélico iminente não seria nenhuma grande novidade não fosse um detalhe: Índia e Paquistão possuem armas nucleares.
Mas tão destrutivo quanto a posse de armas de destruição em massa é a taxa de analfabetismo entre as mulheres paquistanesas, a qual chega a cerca de 80%. Cada qual, a seu modo, provoca diferentes tipos de destruição. Mas qual será a mais perigosa? Para os paquistaneses, sem dúvida, é o analfabetismo e não é pelo fato de que a bomba se joga no vizinho, mas sim, pela nítida confirmação de que na Era do Conhecimento, não se constrói uma sociedade sustentável sem a existência de forças produtivas capazes de gerar riquezas ao país.
Além disso, o governo paquistanês descobriu que as mulheres educadas têm menor probabilidade de morrer no parto. Também sabem que, alfabetizadas e bem educadas, elas têm menos filhos e, quando mães, aumenta a probabilidade das mulheres criarem filhos bem nutridos, bem cuidados, educados e vacinados.
Ser capaz apenas de ler uma bula numa caixa de remédio pode fazer uma enorme diferença.
Dessa forma, o governo desse país vem buscando estratégias para diminuir essa alarmante taxa de analfabetismo entre sua população feminina. A Província do Baluchistão, no Paquistão, dá um exemplo do que se pode fazer. Está abrindo escolas de meninas em muitas vilas rurais e fazendo esforço intenso no sentido de assegurar que as meninas se matriculem, contratando professoras e criando banheiros separados para as alunas. A população local ajuda a conseguir as instalações de ensino, a contratar as professoras e a supervisionar a freqüência à escola. Em apenas dois anos foram criadas mais de 200 novas escolas rurais femininas e a matrícula de meninas das vilas aumentou 87 por cento nas novas escolas, em comparação com 15 por cento em toda a província.
O que o governo do Paquistão vem fazendo é utilizar a força da população local em projetos sustentáveis que possam ser acompanhados pelos próprios clientes: os pais dessas crianças. No entanto, sem a existência do real compromisso do governo e seu apoio técnico e financeiro, essa iniciativa seria impossível. Assim como na província do Baluchistão, diversas outras cidades e estados do mundo todo vêm fazendo esforços para melhorar a qualidade de vida de sua população.
E qual é o mecanismo fundamental que proporciona e regula tais atividades? É a Política, meus caros. E adivinhem em qual tipo de regime político esta capacidade de envolvimento do governo com a população é possível? Em qual regime se faz articulação entre a sociedade civil e o Estado para construir novos projetos? Qual é, de fato, o único regime político capaz de gerar riquezas e distribuí-las a seus cidadãos? Qual é o regime que garante os meios necessários para que seus cidadãos, uma vez insatisfeitos com os resultados do regime, possam ter a liberdade de criticá-lo, cobrá-lo e até puní-lo? A resposta é: Democracia.
Como estamos habituados a enxergar a política como um conluio de autoridades e cidadãos que utilizam a Democracia para enriquecer suas contas bancárias, mediante os mais inusitados truques de corrupção, muitas vezes esquecemos que tanto a política quanto a democracia podem gerar riquezas, conquistas e independência para cidadãos em diversas partes do mundo. Assim, apesar da raiva que nos acomete o cotidiano político brasileiro, tentarei demonstrar nos próximos posts como é possível se fazer política democrática de resultados, muitas vezes utilizando poucos recursos e muita criatividade.
Assim, a verdadeira “bomba”, leitores, será a descoberta de que a prática política, por meio do sistema democrático, continua sendo a melhor forma de garantir qualidade de vida para cidadãos de várias partes do mundo.
Inimigo histórico da Índia, o Paquistão disputa, desde 1945, a região da Caxemira com aquele país. A preocupação maior neste momento é que com o acirramento das tensões entre ambos países, uma guerra aberta pode ser iniciada. Esse conflito bélico iminente não seria nenhuma grande novidade não fosse um detalhe: Índia e Paquistão possuem armas nucleares.
Mas tão destrutivo quanto a posse de armas de destruição em massa é a taxa de analfabetismo entre as mulheres paquistanesas, a qual chega a cerca de 80%. Cada qual, a seu modo, provoca diferentes tipos de destruição. Mas qual será a mais perigosa? Para os paquistaneses, sem dúvida, é o analfabetismo e não é pelo fato de que a bomba se joga no vizinho, mas sim, pela nítida confirmação de que na Era do Conhecimento, não se constrói uma sociedade sustentável sem a existência de forças produtivas capazes de gerar riquezas ao país.
Além disso, o governo paquistanês descobriu que as mulheres educadas têm menor probabilidade de morrer no parto. Também sabem que, alfabetizadas e bem educadas, elas têm menos filhos e, quando mães, aumenta a probabilidade das mulheres criarem filhos bem nutridos, bem cuidados, educados e vacinados.
Ser capaz apenas de ler uma bula numa caixa de remédio pode fazer uma enorme diferença.
Dessa forma, o governo desse país vem buscando estratégias para diminuir essa alarmante taxa de analfabetismo entre sua população feminina. A Província do Baluchistão, no Paquistão, dá um exemplo do que se pode fazer. Está abrindo escolas de meninas em muitas vilas rurais e fazendo esforço intenso no sentido de assegurar que as meninas se matriculem, contratando professoras e criando banheiros separados para as alunas. A população local ajuda a conseguir as instalações de ensino, a contratar as professoras e a supervisionar a freqüência à escola. Em apenas dois anos foram criadas mais de 200 novas escolas rurais femininas e a matrícula de meninas das vilas aumentou 87 por cento nas novas escolas, em comparação com 15 por cento em toda a província.
O que o governo do Paquistão vem fazendo é utilizar a força da população local em projetos sustentáveis que possam ser acompanhados pelos próprios clientes: os pais dessas crianças. No entanto, sem a existência do real compromisso do governo e seu apoio técnico e financeiro, essa iniciativa seria impossível. Assim como na província do Baluchistão, diversas outras cidades e estados do mundo todo vêm fazendo esforços para melhorar a qualidade de vida de sua população.
E qual é o mecanismo fundamental que proporciona e regula tais atividades? É a Política, meus caros. E adivinhem em qual tipo de regime político esta capacidade de envolvimento do governo com a população é possível? Em qual regime se faz articulação entre a sociedade civil e o Estado para construir novos projetos? Qual é, de fato, o único regime político capaz de gerar riquezas e distribuí-las a seus cidadãos? Qual é o regime que garante os meios necessários para que seus cidadãos, uma vez insatisfeitos com os resultados do regime, possam ter a liberdade de criticá-lo, cobrá-lo e até puní-lo? A resposta é: Democracia.
Como estamos habituados a enxergar a política como um conluio de autoridades e cidadãos que utilizam a Democracia para enriquecer suas contas bancárias, mediante os mais inusitados truques de corrupção, muitas vezes esquecemos que tanto a política quanto a democracia podem gerar riquezas, conquistas e independência para cidadãos em diversas partes do mundo. Assim, apesar da raiva que nos acomete o cotidiano político brasileiro, tentarei demonstrar nos próximos posts como é possível se fazer política democrática de resultados, muitas vezes utilizando poucos recursos e muita criatividade.
Assim, a verdadeira “bomba”, leitores, será a descoberta de que a prática política, por meio do sistema democrático, continua sendo a melhor forma de garantir qualidade de vida para cidadãos de várias partes do mundo.
Cabras, Abelhas e Vacas Públicas
Ganhou até prêmio a iniciativa do governo do Ceará de tentar ajudar as famílias carentes das regiões mais secas e pobres do Estado. Naquela época, meados dos anos 90, o governo decidiu doar uma cabra para cada uma das famílias mais pobres e, com a ajuda de profissionais da saúde, ajudou a combater a desnutrição infantil, algo tão comum, como a falta de chuvas e de expectativas.
E lá estavam as cabras, comendo latas, lambendo o chão de poeira e alimentando as criancinhas. Produto barato que nem precisava de ração ou grandes cuidados. Isso é criatividade: tentar resolver os problemas com as “armas” disponíveis no ambiente.
Com base neste preceito, foi criado um interessante programa em Kibwesi, no Kênia. Assolada pela seca, a pequena cidade perdeu a maioria dos homens, que saiam em busca de outras oportunidades. As 2.500 mulheres que ali ficaram, sem seus companheiros, abandonadas à própria sorte e com a saúde e a auto-estima debilitadas, foram incluídas num programa de Cooperativas para criação de abelhas: o único animal possível para qualquer atividade rentável na cidade. O efeito foi devastador. Apesar das dificuldades iniciais, com muito trabalho, o mel produzido passou a gerar renda e as mulheres utilizavam os recursos para diversificar a produção. Assim, criaram espécies diferentes de mel e passaram a produzir ladrilhos (preparados com a ajuda do sol) e também cabras que davam alimento e renda para as famílias. Foi, literalmente, a salvação da vida dessas mulheres e de suas crianças.
No interior de São Paulo, um prefeito também teve a ousadia de ser criativo, seguindo um caminho semelhante, ou seja, utilizar as “armas” possíveis para melhorar a qualidade de vida da população. O prefeito pensou que poderia sanar o problema de desnutrição de muita gente. Talvez inspirado pela experiência cearense, ele comprou 10 vaquinhas e disponibilizou os animais para quem quisesse tomar leite direto da fonte.
Todas as manhãs uma pequena fila se forma no curral da prefeitura e as famílias mais carentes têm garantida a alimentação, principalmente para suas crianças. Fazendo uma conta bem simples, de uma vaca Holandesa pode-se ordenhar, em média, 25 litros de leite por dia. Multiplicando por dez, são 250 litros de leite gratuitos para as famílias pobres da cidade. Um espetáculo! Ainda mais se considerarmos outros dois aspectos importantes. O primeiro é que a vida de uma vaca é longa e, portanto, o custo benefício do investimento é altíssimo. O segundo aspecto importante é que a administração municipal não perdeu a oportunidade de acompanhar essas pessoas, já que elas são recebidas por uma equipe de profissionais que auxilia os beneficiários do Programa sobre como fazer o melhor uso do produto, além de oferecer dicas de saúde e higiene pessoal.
As cabras do Ceará, as abelhas do Kênia e as vacas do interior de São Paulo são exemplos claros de que a criatividade pode custar muito pouco, desde que se tenha, verdadeiramente, a vontade de mudar a vida das pessoas.
E lá estavam as cabras, comendo latas, lambendo o chão de poeira e alimentando as criancinhas. Produto barato que nem precisava de ração ou grandes cuidados. Isso é criatividade: tentar resolver os problemas com as “armas” disponíveis no ambiente.
Com base neste preceito, foi criado um interessante programa em Kibwesi, no Kênia. Assolada pela seca, a pequena cidade perdeu a maioria dos homens, que saiam em busca de outras oportunidades. As 2.500 mulheres que ali ficaram, sem seus companheiros, abandonadas à própria sorte e com a saúde e a auto-estima debilitadas, foram incluídas num programa de Cooperativas para criação de abelhas: o único animal possível para qualquer atividade rentável na cidade. O efeito foi devastador. Apesar das dificuldades iniciais, com muito trabalho, o mel produzido passou a gerar renda e as mulheres utilizavam os recursos para diversificar a produção. Assim, criaram espécies diferentes de mel e passaram a produzir ladrilhos (preparados com a ajuda do sol) e também cabras que davam alimento e renda para as famílias. Foi, literalmente, a salvação da vida dessas mulheres e de suas crianças.
No interior de São Paulo, um prefeito também teve a ousadia de ser criativo, seguindo um caminho semelhante, ou seja, utilizar as “armas” possíveis para melhorar a qualidade de vida da população. O prefeito pensou que poderia sanar o problema de desnutrição de muita gente. Talvez inspirado pela experiência cearense, ele comprou 10 vaquinhas e disponibilizou os animais para quem quisesse tomar leite direto da fonte.
Todas as manhãs uma pequena fila se forma no curral da prefeitura e as famílias mais carentes têm garantida a alimentação, principalmente para suas crianças. Fazendo uma conta bem simples, de uma vaca Holandesa pode-se ordenhar, em média, 25 litros de leite por dia. Multiplicando por dez, são 250 litros de leite gratuitos para as famílias pobres da cidade. Um espetáculo! Ainda mais se considerarmos outros dois aspectos importantes. O primeiro é que a vida de uma vaca é longa e, portanto, o custo benefício do investimento é altíssimo. O segundo aspecto importante é que a administração municipal não perdeu a oportunidade de acompanhar essas pessoas, já que elas são recebidas por uma equipe de profissionais que auxilia os beneficiários do Programa sobre como fazer o melhor uso do produto, além de oferecer dicas de saúde e higiene pessoal.
As cabras do Ceará, as abelhas do Kênia e as vacas do interior de São Paulo são exemplos claros de que a criatividade pode custar muito pouco, desde que se tenha, verdadeiramente, a vontade de mudar a vida das pessoas.
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