terça-feira, junho 16, 2009

A Vassalagem Moral ou o Nada, que é.

Em minha promessa de retorno estou tentando reescrever um texto que publiquei há bastante tempo chamado Vassalagem Moral. Não que eu queira requentar os posts, mas acontece que estava refletindo sobre algumas coisas que me levavam invariavelmente para este tema; o da vassalagem. Os vassalos morais são essas figuras que se conformam com tudo, são os preguiçosos intelectuais ou mesmo os preguiçosos circenses, aqueles espalhafatosos que dão chicotadas em frente ao público enquanto bichinhos correm, pulam, fazem malabarismos e recebem aplausos que sabem que não são para eles. Tem muita gente assim. O Vassalo Moral, por definição, é um ser amoral. Reparem: amoral e não imoral. Tem muita diferença. Li ontem um texto interessante do jornalista Ari Cunha, que escreve no Correio Braziliense, que tomo a liberdade de reproduzir.

"Conta a história que um navio atingido na 2ª Guerra o Comandante citou pensamento pessoal com esta frase: “O oceano é a única sepultura digna de um almirante batavo”.

Outro fato diz respeito ao encouraçado Graf Spee, da marinha alemã. O navio aportara no Uruguai, neutro. A esquadra inglesa estava no mar esperando para afundá-lo. O governo uruguaio deu guarida por dias, dentro da lei. E obrigou o comandante Langsdorff a levantar ferros. O almirante comandante deixou em Montevidéu os tripulantes doentes. E zarpou para alto mar. Antes de a esquadra inglesa atirar, o navio alemão, por ordens do seu comandante, explodiu de forma a não ficar um único sobrevivente. A foto do almirante Langsdorff está hoje na porta do almirantado inglês como homenagem à sua bravura."

Perceberam a diferença? O exemplo?

Quando eu era uma criança meu pai dizia que minha irmã caçula, com seus 3 ou 4 aninhos, sofria de Gota, porque, segundo ele, ela era muito “Gotósa”! Apesar de infame, é claro que eu achava aquilo engraçado e me lembrei dessa frase da infância porque li esses dias que na maioria dos casos, o primeiro sintoma da Gota (doença provocada pela elevação de ácido úrico no sangue) é, juro (eu li mesmo!), dor no dedão do pé! Interessante estes casos de sintomas e patologias. A Agência EFE de notícias publicou uma matéria sobre os dependentes da Internet e dos Celulares. “Seus dependentes possuem os mesmos sintomas que os de qualquer outro grupo: síndrome de abstinência, insônia, falta de apetite, dependência e uma necessidade compulsiva de se conectar à rede para acalmar a ansiedade.” Até mesmo o som do modem ou do celular pode provocar nesses dependentes taquicardia. Não quero me desfazer da relevância do tema, mas como sou uma pessoa imagética não pude deixar de visualizar um adolescente manifestando excessos de alegria ao toque do celular.

Também já li sobre um terapeuta que tratava do interessante caso de uma mulher que tinha orgasmos sempre que escovava os dentes. Psicólogos da Escola Paulista de Medicina publicaram um artigo no ano 2000 em que descreviam e analisavam novas patologias que estavam chegando até o Hospital São Paulo, as quais eram as tradicionais formas de desorganização psíquica, porém influenciadas pela Era da Informação, tais como as queixas do tipo “Estão escaneando minha mente.” ou “O movimento do mouse move minha cabeça e minha vagina.”

Não tenho a pretensão de me meter em assunto que não domino e por isso prefiro escrever sobre uma outra patologia moderna, a qual eu posso citar sem medo: a Vassalagem Moral. Há alguns anos eu li uma filósofa espanhola escrever sobre o tema e a idéia era mais ou menos esta: atitudes morais típicas de instituições políticas próprias de períodos históricos anteriores ao nosso, como o feudalismo e o despotismo, estão assombrosamente extendidas e reproduzidas na história contemporânea.

Com efeito, sabemos que a vassalagem era própria dos regimes feudais e consistia em uma relação de dependência e de fidelidade do vassalo para com seu Senhor. Essa figura do vassalo foi substituída pela do súdito, que era o sujeito que vivia sob a autoridade de um monarca. Ambos — vassalos e súditos — permaneciam submetidos à autoridade seja de seu Senhor, seja de seu Rei.

Nas democracias, como forma de organização política moderna, não se pode pactuar com a distinção entre senhor e vassalo, entre soberano e súdito, pois todos os membros das comunidades políticas são cidadãos iguais, submetidos exclusivamente ao império da lei. Dessa forma, a transição do vassalo para o súdito foi seguida da transição do súdito para o cidadão. Curiosamente, no entanto, a cidadania política não foi sucedida pela cidadania moral, a qual consistiria em assumir, como pessoa, a sua própria autonomia. Seria então moralmente vassalo aquele indivíduo que para criar um juízo moral entende ser necessário tomar de uma ou mais pessoas os juízos destas. Em outras palavras, o vassalo moral não possui capacidade para criar seus juízos morais próprios e assim prefere ser regido pelos outros que determinam este ou aquele tipo de comportamento.

É certo que não se defende a tese esdrúxula de que uma pessoa deva, absolutamente sozinha, definir suas idéias sem que haja influências de outrem. É mais do que saudável recorrer aos mais experientes, aos bons livros e demais pessoas de nossa confiança, seja intelectual ou pessoal, para que um conjunto de idéias possam “nascer” ou mesmo se transformar a partir dos filtros cognitivos que as pessoas, com espírito crítico e capacitadas para entender o universo em que vivem, podem possuir e/ou desenvolver.

O problema está no fato de que não pensar em nada ou simplesmente reproduzir cegamente as informações que chegam aos nossos ouvidos é bem mais cômodo do que ter que fazer aquela coisa chata de refletir sobre algo. Vejam que inconvenientes aqueles que protestam contra Ahmadinejad no Irã. Que coisa chata e pegajosa. Muito melhor é “desencanar” da política e deixar as coisas como elas são. Muita gente já faz assim! Muitos alunos também. Principalmente aqueles que reclamam quando um professor encomenda uma leitura de 15 páginas para a próxima aula. É inacreditável.

Pois a Vassalagem Moral é esta doença que se espalha mais do que a Influenza, que mata lentamente e em proporções maiores do que os corpos que sucumbiram à espada de Teerã; é a pandemia que acomete a nova geração que vem chegando para ocupar os bancos das faculdades e universidades, enfim, é a possibilidade da não existência ou (sem querer entrar na discussão filosófica do existencialismo de Sartre e muito menos subverter sua lógica) o nada, sendo.