Haviam se conhecido em Paris.
Ele, um “sous chef” dedicado, aprendiz em diversos bons restaurantes da capital e de seus arredores. Ela, uma imigrante peruana, cuja família morava em um pequeno “pueblo”, apaixonada por gastronomia e tentando uma oportunidade para melhorar a sua vida.
A paixão apareceu rapidamente e pouco tempo depois eles resolveram se casar. Para ele, uma grande companheira, cúmplice, amiga e destemida. Para ela, o parceiro leal, amigo, trabalhador e carinhoso. Seus problemas com a imigração não mais existiam e a felicidade repentina não se desfez com o tempo. Aliás, a felicidade, teimosa, persistia em abraçá-los todas as manhãs e jamais se cansava de fazê-los sorrir, fosse ao longo do interminável dia de trabalho, fosse no romântico passeio de mãos dadas pelo “Parc Monceau”, onde gostavam de sentar para olhar as pessoas e se inspirar com a beleza do lugar.
Curiosamente, este parque, criado no século XVIII, foi desenhado pelo primo de Luiz XVI, chamado Philippe Égalite. A curiosidade está justamente no fato de que o único problema que persistia em atrapalhar a vida do casal era justamente a falta de “égalité”. Não me refiro à falta de igualdade entre ambos, aquilo que se vê em muitos casais hoje em dia, mas sim àquela que faz falta à maioria dos imigrantes que vivem na França: “la égalité de droits”.
Ainda que regularizada na França, a bela morena de olhinhos puxados e sorriso fácil sofria da falta de igualdade de seus direitos, traduzidos na indiferença ou maledicência dos franceses que a “confundiam” com todo o tipo de pessoa, menos com aquilo que de fato ela era. E dessa forma foram sendo perdidas oportunidades de emprego, chances de novas amizades e substituindo a paz vieram os choros, a raiva e aquela sensação de injustiça alimentada pela intolerância racial e religiosa, pela qual passam milhões de pessoas em todo o mundo.
Inconformado com os constrangimentos por que passava sua mulher, o jovem francês, em mais um ato de amor, decidiu abandonar a promissora carreira nas cozinhas parisienses e migrar para o Peru, a terra natal de sua mulher amada. Para ele, era insuportável vê-la sofrer e então decidiu que a única forma de conter suas lágrimas era levá-la de volta ao seu país.
Como seu único ofício era cozinhar, reuniu suas economias e montou um cenário de amor, onde coincidentemente também se serve comida. Sim, em Águas Calientes, uma vila ao pé de Machu Picchu, o jovem casal abriu um restaurante com capacidade para 30 pessoas, toalhas coloridas bordadas, cadeiras com corações entalhados e um pequeno cardápio, em que se mesclam temperos peruanos com a culinária francesa.
Quando estive lá com meu amigo Rafa, em julho de 1998, eles estavam começando o negócio. Hoje, a cozinha do “El Índio Feliz” é reconhecida como uma das mais modernas formas de fusão entre a culinária peruana e francesa.
Jamais me esqueci da “Truta al Mango" que lá provei. Tive o privilégio de entrar na cozinha e anotar tudo enquanto pacientemente o chef me ensinava a receita. Até hoje eu reproduzo o prato. Os bons chefs não têm medo de compartilhar seus segredos, desde que tenham certeza de que serão utilizados com todo o respeito. O mesmo aconteceu comigo em um restaurante em Granada, sul da Espanha, onde o chef Manolo me ensinou como se cria um belo “filet al limone”.
E por falar em limão, percebo que “El Índio Feliz´” é o produto final de uma história de amor que a intolerância racial tentou azedar, mas não conseguiu. Para a felicidade do índio, minha e do Rafa também!