segunda-feira, março 03, 2008

Amor e Gastronomia (Parte 1): O Índio Feliz

Haviam se conhecido em Paris.

Ele, um “sous chef” dedicado, aprendiz em diversos bons restaurantes da capital e de seus arredores. Ela, uma imigrante peruana, cuja família morava em um pequeno “pueblo”, apaixonada por gastronomia e tentando uma oportunidade para melhorar a sua vida.

A paixão apareceu rapidamente e pouco tempo depois eles resolveram se casar. Para ele, uma grande companheira, cúmplice, amiga e destemida. Para ela, o parceiro leal, amigo, trabalhador e carinhoso. Seus problemas com a imigração não mais existiam e a felicidade repentina não se desfez com o tempo. Aliás, a felicidade, teimosa, persistia em abraçá-los todas as manhãs e jamais se cansava de fazê-los sorrir, fosse ao longo do interminável dia de trabalho, fosse no romântico passeio de mãos dadas pelo “Parc Monceau”, onde gostavam de sentar para olhar as pessoas e se inspirar com a beleza do lugar.

Curiosamente, este parque, criado no século XVIII, foi desenhado pelo primo de Luiz XVI, chamado Philippe Égalite. A curiosidade está justamente no fato de que o único problema que persistia em atrapalhar a vida do casal era justamente a falta de “égalité”. Não me refiro à falta de igualdade entre ambos, aquilo que se vê em muitos casais hoje em dia, mas sim àquela que faz falta à maioria dos imigrantes que vivem na França: “la égalité de droits”.

Ainda que regularizada na França, a bela morena de olhinhos puxados e sorriso fácil sofria da falta de igualdade de seus direitos, traduzidos na indiferença ou maledicência dos franceses que a “confundiam” com todo o tipo de pessoa, menos com aquilo que de fato ela era. E dessa forma foram sendo perdidas oportunidades de emprego, chances de novas amizades e substituindo a paz vieram os choros, a raiva e aquela sensação de injustiça alimentada pela intolerância racial e religiosa, pela qual passam milhões de pessoas em todo o mundo.

Inconformado com os constrangimentos por que passava sua mulher, o jovem francês, em mais um ato de amor, decidiu abandonar a promissora carreira nas cozinhas parisienses e migrar para o Peru, a terra natal de sua mulher amada. Para ele, era insuportável vê-la sofrer e então decidiu que a única forma de conter suas lágrimas era levá-la de volta ao seu país.

Como seu único ofício era cozinhar, reuniu suas economias e montou um cenário de amor, onde coincidentemente também se serve comida. Sim, em Águas Calientes, uma vila ao pé de Machu Picchu, o jovem casal abriu um restaurante com capacidade para 30 pessoas, toalhas coloridas bordadas, cadeiras com corações entalhados e um pequeno cardápio, em que se mesclam temperos peruanos com a culinária francesa.

Quando estive lá com meu amigo Rafa, em julho de 1998, eles estavam começando o negócio. Hoje, a cozinha do “El Índio Feliz” é reconhecida como uma das mais modernas formas de fusão entre a culinária peruana e francesa.

Jamais me esqueci da “Truta al Mango" que lá provei. Tive o privilégio de entrar na cozinha e anotar tudo enquanto pacientemente o chef me ensinava a receita. Até hoje eu reproduzo o prato. Os bons chefs não têm medo de compartilhar seus segredos, desde que tenham certeza de que serão utilizados com todo o respeito. O mesmo aconteceu comigo em um restaurante em Granada, sul da Espanha, onde o chef Manolo me ensinou como se cria um belo “filet al limone”.

E por falar em limão, percebo que “El Índio Feliz´” é o produto final de uma história de amor que a intolerância racial tentou azedar, mas não conseguiu. Para a felicidade do índio, minha e do Rafa também!

4 comentários:

mostrarte 2008 disse...

Meu amigo Renato!!

Que texto lindo, tradução de um belo momento, também inesquecível para mim! E também para Solange, nossa companheira de Mogi Mirim que resgatamos quando ela passava mal nas escadarias da Catedral de Cusco.
Eu me lembro da truta ao Mango. Mas meu prato foi um frango...
Indio Feliz! Lembro da placa na parede: Ben venidos, turistas, nacionales, estranjeiros y extraterrestres!

Se cuida, meu amigo!!

Anônimo disse...

Renato,amei seu texto,de uma profundida tamanha,a literatura nos faz viajar nas lembranças daquilo que nos remete os mais preciosos momentos de nossas vidas saudades,expêriencias,lugares,sabor cheiro,sensações diversas.
Aliás concordo com vc em não querer escrever de política,conversa maçada,pois nos causa ansia e enjoo.Falar de sabor de pratos gostosos e bem mais prazeroso ,vou lhe dar uma dica de uma Truta que comi em Monte Verde-MG,Truta a Village,perfeita,muito saborosa. Abraços Fernanda Alvarenga

Anônimo disse...

Olá professor! Também sua amante e admiradora da culinária! Comida e amor para mim estão totalmente ligados. O cheiro, textura, sabor, tudo isso nos remete à lembranças...
Não sei se o senhor teve a oportunidade de ver o filme "Ratatouille", uma animação da Pixar que tem Brad Bird como diretor. Ele trata de um ratinho que desde cedo começa a ter paixão em cozinhar, porém em algum momento ele sente medo em prosseguir por duvidarem de sua capacidade (curioso um rato cozinheiro sendo que sempre são os inimigos da cozinha... o que já nos traz uma reflexão sobre temas bem atuais). Vou logo para onde quero chegar com essa história de comida e amor. No filme tem um personagem que provava diferentes pratos nos restautantes mais famosos de Paris e os avaliavam. Muitos eram bons, outros ele criticava muito, porém, ao comer a comida do Rato... sentiu algo diferente... fechou os olhos e aquele sabor o fez lembrar da comida mãe em sua infância. Pronto. Arrematou.

* Estou gostando muito de suas aulas.

Abraços, Camila Bellacosa

Anônimo disse...

Olá professor! Também sua amante e admiradora da culinária! Comida e amor para mim estão totalmente ligados. O cheiro, textura, sabor, tudo isso nos remete à lembranças...
Não sei se o senhor teve a oportunidade de ver o filme "Ratatouille", uma animação da Pixar que tem Brad Bird como diretor. Ele trata de um ratinho que desde cedo começa a ter paixão em cozinhar, porém em algum momento ele sente medo em prosseguir por duvidarem de sua capacidade (curioso um rato cozinheiro sendo que sempre são os inimigos da cozinha... o que já nos traz uma reflexão sobre temas bem atuais). Vou logo para onde quero chegar com essa história de comida e amor. No filme tem um personagem que provava diferentes pratos nos restautantes mais famosos de Paris e os avaliavam. Muitos eram bons, outros ele criticava muito, porém, ao comer a comida do Rato... sentiu algo diferente... fechou os olhos e aquele sabor o fez lembrar da comida mãe em sua infância. Pronto. Arrematou.

* Estou gostando muito de suas aulas.

Abraços, Camila Bellacosa