quarta-feira, março 24, 2010

O julgamento do casal Nardoni na sociedade do espetáculo

Fonte: Última Instância/Observatório da Imprensa
Autor: Pedro Estevam Serrano
Data: 24/03/2010

O rumoroso caso da morte da menina Isabella Nardoni, que morreu aos cinco anos após sofrer uma queda do sexto andar do apartamento em que morava, em abril de 2008, volta a ganhar espaço na mídia por conta da proximidade do início do julgamento do pai e da madrasta da menina. Ambos são acusados de atirarem Isabella pela janela e negam tal imputação.

Quero apartar-me do debate penal e criminalístico do caso, conduta que considero a mais adequada para um simples estudante do Direito Constitucional e Administrativo. Mas como espraio minha atenção e interesse pelas águas da formação do homem enquanto indivíduo, das transformações sociais, das razões históricas do mundo contemporâneo e das teorias pós-modernas sobre o comportamento humano, peço sua licença, neste texto, para me aventurar pelos caminhos da observação crítica do fenômeno dos julgamentos de casos especiais, no âmbito da sociologia do direito, como este que foi mencionado.

A reflexão que proponho é sobre o contexto no qual o julgamento se realizará, muito mais próximo da racionalidade da comunicação do que da racionalidade jurídica, como seria desejado que acontecesse.

Explico. Como o caso é de grande repercussão na sociedade, capaz de atrair a atenção dos mais diversos indivíduos e com intensa atenção dedicada pela mídia, a tramitação do inquérito e, depois, do processo, em todos seus nuances e detalhes, transformam o caso num espetáculo, no sentido da expressão de Guy Debord.

Provação do acusado

A repercussão midiática de casos jurídicos que apelem, por sua natureza, à emoção pública, que causam compaixão ou indignação, é fenômeno global, próprio da sociedade contemporânea. O problema maior é que tal fato, inerente a uma sociedade comunicativa democrática, gera complexidades e problemas que devem ser submetidos ao debate, para que surjam soluções.
Em verdade, o noticiário sobre o caso faz com que o mesmo receba do Estado uma atenção especial, que implica desigualdade com o tratamento oferecido a casos de menor apelo público.
A completa, célere e competente perícia técnica que o caso mereceu nem sempre ocorre com as mesmas qualidades em casos sem repercussão. A dedicação intensa dos diversos agentes públicos e dos profissionais privados ao cumprimento de seu papel nem sempre é a mesma nos casos não rumorosos.

Outros exemplos são os escândalos públicos envolvendo corrupção, prisão de pessoas de bom nível social e conflitos entre celebridades, que acabam por caracterizar-se como um conjunto de casos especiais. Constituem, assim, um conjunto próprio, que obtém da máquina estatal investigadora e jurisdicional um tratamento diverso dos demais no que tange à celeridade e eficiência procedimental, e mesmo reconhecimento de direitos fundamentais –como no caso do abuso do uso de algemas–, ou, por outro lado, mais rigor –como nos casos de prisões preventivas por conta do "clamor público" do processo.

Mais que isso. Tais casos são inevitavelmente influenciados pelo "julgamento público" da sociedade, a partir das versões trazidas nos principais órgãos de comunicação, nem sempre precisas ou verídicas e nunca formuladas consoante técnicas adequadas de contraditório, defesa etc. A provação do acusado pela exposição pública muitas vezes supera o da condenação, funcionando tal situação quase como uma ordália contemporânea.

A racionalidade do Direito

Niklas Luhmann, em sua teoria dos sistemas, identifica uma pluralidade de subsistemas comunicativos no interior do grande sistema social, cada qual operando por uma racionalidade binária própria e autônoma. Subsistemas fechados sintaticamente, o que lhes prove autonomia, mas abertos semântica e pragmaticamente, o faz surgir a ocorrência de uma racionalidade transversal, no sentido de Wolfgang Welsh, pela influência de sentido inter-sistêmica. Luhmann trata esta conexão semântica concentrada e duradoura entre subsistemas pelo conceito de acoplamento estrutural.

O Direito é um desses subsistemas. A Comunicação Social e midiática também o são. O problema ocorre quando as relações inter-sistêmicas entre Direito e Comunicação Social se dão de forma a que, no âmbito dos tribunais e dos órgãos de investigação, a racionalidade própria do Direito, do lícito-ilícito, é substituída pela racionalidade própria da mídia e da Comunicação Social.
Luhmann chama de "corrupção sistêmica" essas situações em que a racionalidade de um subsistema social é substituída indevidamente pela de outro. As "corrupções sistêmicas", ou corrupções contingentes que ocorrem em casos específicos, conflitam com os valores do Estado Democrático de Direito, numa sociedade complexa e plural como a contemporânea. Se a racionalidade própria do Direito é suprimida por outra, o Estado de Direito, em sua dimensão de concretização, vai sucumbindo com ela.

A luta corajosa dos agentes públicos e profissionais da advocacia privada envolvidos num processo de caráter midiático como este do casal Nardoni é trabalharem em comum, mesmo que isso se dê em lados diversos do processo, para que a racionalidade própria do Direito se imponha, em favor não apenas dos envolvidos no caso, mas de toda a sociedade, do regime democrático e do Estado de Direito.

Crimes Sem Punição

Fonte: Revista Eletrônica Envolverte/Observatório da Imprensa
Texto: Alberto Dinez
Data: 23/03/2010

"O circo está armado: a mídia popular, sobretudo a eletrônica, está excitadíssima com o início do julgamento, na segunda-feira (22/3), em São Paulo, do casal Nardoni-Jatobá, acusado de ter jogado a filha-enteada Isabella do 6º andar do edifício onde moravam.

O julgamento de um dos crimes mais horrendos já praticados no país vai estender-se ao longo de cinco dias. Porém, uma sucessão de crimes escabrosos está há anos mantida longe dos holofotes.

No domingo (21), finalmente foi para a primeira página dos jornais do mundo inteiro quando o papa Bento 16 pediu perdão pelas violências cometidas por sacerdotes pedófilos na Irlanda.

Lamentou as "falhas graves" mas não falou em punir culpados.Muito constrangidos, os jornalões brasileiros mencionaram a carta do papa sem grande destaque, na parte inferior da primeira página – como se tivessem combinado. Estão combinados.Laica e secularMas a Irlanda é muito longe.

Ninguém falou no caso de Arapiraca, em Alagoas, onde um monsenhor de 82 anos assediava sexualmente há oito anos um jovem ex-coroinha.Esta brutalidade foi desvendada numa cuidadosa reportagem do repórter Roberto Cabrini no programa Conexão Repórter, do SBT, exibido no dia 11 de março.

Chocante, mas não houve qualquer repercussão, como se o resto da mídia, sobretudo os jornalões, tivessem feito um pacto de silêncio. Quem o quebrou foi a edição de Veja desta semana ("Ferveção em Arapiraca"). Esta onda de violências sexuais praticadas por sacerdotes não é nova, não matou ninguém, mas destrói anualmente centenas de vidas, liquida famílias, ofende os que acreditam em Deus – inclusive o sumo pontífice. A questão da pedofilia, versão criminosa da pederastia, não pode ficar confinada ao âmbito canônico ou teológico.

Numa república secular, laica, como a nossa, sacerdotes não podem ficar acima da lei. Assédio a menores é crime. E todos os crimes devem ser investigados pela polícia e encaminhados ao Judiciário. Sem privilégios. Sem a proteção de pactos de silêncio."

terça-feira, março 23, 2010

Enquanto não vem o Irã... vamos falar de pesquisas!

'Não é impossível imaginar que a Dilma ganhe no 1º turno', diz diretor do Vox Populi

Diretores dos quatro principais institutos de pesquisa do País veem cenário favorável à Dilma

Fonte: Portal: O Estado de São Paulo
Data: 22 de março de 2010 22h 56
Texto: Jair Stangler.

SÃO PAULO - O crescimento nas pesquisas eleitorais da pré-candidata do PT à Presidência, ministra Dilma Rousseff, ante a estagnação de seu provável adversário, o governador de São Paulo José Serra (PSDB) tem impressionado os diretores dos quatro principais institutos de pesquisa do País. Márcia Cavallari, do Ibope, João Francisco Meira, do Vox Populi, Mauro Paulino, do Datafolha e Ricardo Guedes, do Sensus, estiveram reunidos em São Paulo na tarde desta segunda-feira, 22, para debater o cenário eleitoral, em evento da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas. O professor Marcus Figueiredo, do Iuperj também esteve no debate, mediado mediado pela jornalista Cristiana Lôbo.

Meira deu o palpite mais ousado da tarde: "não é impossível imaginar que a Dilma ganhe a eleição já no primeiro turno", afirmou. Segundo ele, quando há candidatos carismáticos, a disputa se concentra mais entre as personalidades desses candidatos. Mas, para ele, nem Dilma nem Serra são carismáticos. ‘Carisma não é o nome dessa eleição’, afirmou.
Ele listou alguns fatores que, na sua avaliação, devem decidir a disputa eleitoral. O primeiro seria a economia: se estiver ruim, a tendência é de mudança - mas a economia é o principal trunfo do governo Lula. Em segundo, o aspecto ideológico - nesse caso, diz ele, 56% das pessoas se definem como sendo de esquerda e 30% como eleitores do PT.

Além disso, ele lembra o tempo de TV como decisivo - e a construção das alianças deve garantir um tempo maior à candidata governista. Por último ele cita algum acidente, debate ou fato inesperado que possa alterar a opinião dos eleitores.
Sua avaliação é parecida com a de Ricardo Guedes, do Sensus. Segundo ele, "Dilma tem produto para mostrar, a economia. O Serra não tem. Hoje a tendência é muito mais pró-Dilma".
Cautela

Já Márcia Cavallari, do Ibope, e Mauro Paulino, do Datafolha, adotaram um pouco mais de cautela em suas exposições, embora tenham admitido cenário favorável à Dilma. Os dois usaram a mesma expressão para definir o caso: "pesquisa é diagnóstico, não prognóstico".
"O comportamento do eleitor não é matemático. A campanha ainda tem muita coisa para acontecer. O que a gente sabe é que o eleitor se sente muito confortável de ter votado no Lula e agora fazer essa avaliação de que acertou. Ele pensa: 'Acertei, e o País está tendo avanços'. O eleitor considera que os avanços foram muito mais profundos no governo Lula. A comparação com o governo FHC é prejudicial para o Serra", afirmou a diretora do Ibope.

De acordo com Márcia, um terço está com Serra, um terço está com Dilma e um terço que vai decidir a eleição. Reservadamente, porém, ela destacou que não só a Dilma está crescendo, como há tendência de queda de Serra, ainda que dentro da margem de erro.

Já Paulino lembrou que na pesquisa Datafolha de dezembro de 2009, 15% dos eleitores não sabiam que a Dilma era a candidata do Lula, mas queriam votar na candidata do Lula. "E o que nós observamos em fevereiro, é que ainda há margem de crescimento para Dilma", afirmou.
Segundo ele, a dúvida é saber se Dilma vai transmitir ao eleitorado que tem a mesma capacidade de administração que o Lula tem."O eleitor vai poder comparar Serra com Dilma, Dilma com Lula".

Paulino ainda defendeu que os institutos divulguem sempre sua base de dados, sua metodologia. "A pesquisa não faz prognóstico, mostra o que acontece naquele dia. Na pesquisa de véspera, [Paulo] Maluf ainda estava na frente da [Luíza] Erundina [na eleição para a prefeitura de São Paulo, em 1988, vencida por Erundina]. Deixar de iludir quem consome pesquisa: a gente faz diagnóstico", afirmou.

Já o professor Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário do Rio de Janeiro (Iuperj), também presente ao debate, previu um repeteco de 2002, caso o deputado federal Ciro Gomes (PSB) continue na disputa, com o cearense brigando com Serra. Para Figueiredo, "Serra e Dilma são igualmente antipáticos e igualmente feios. Ideologicamente estão muito próximos. O projeto deverá ser exatamente o mesmo".

Erros em pesquisa

Meira foi questionado também pelo fato de o Vox Populi ter apontado, em 2006, vitória de Paulo Souto (então PFL) no primeiro turno, contra o petista Jaques Wagner, que acabou vencendo as eleições em segundo turno. "Às vezes você erra. Só que você nunca ouve um médico dizendo qual a margem de erro de uma operação de apendicite. O pessoal respondia que queria Paulo Souto, mas já estava pensando em mudar de ideia. Mas eu não estava perguntando para ele se ele queria mudar de ideia", justificou.