terça-feira, setembro 16, 2008

Abrindo Caminho Para a Política Moderna- Hobbes e Locke

Nota Importante: Os posts da série “Abrindo o Caminho da Política Moderna” foram criados com o objetivo de facilitar o acesso dos leitores pouco acostumados às obras do pensamento político moderno, para que possam se sentir mais confortáveis no momento de ler os originais dos autores aqui citados. Não tem, portanto, a intenção de ser um texto que contemple todas as idéias e teorias dos clássicos, mas que possa, de alguma forma, oferecer os elementos cruciais para que, ao ler a obra original, a essência do pensamento de cada um seja imediatamente captada.


Parte 2: Hobbes e Locke

Escrever sobre Política é escrever sobre Poder, afinal, o que desejam os políticos, com boas ou más intenções? Change the World? Save the Planet? Save the Whales? Save the Children? Não! Achive Power!!! Sim, caros leitores, os Políticos querem o Poder e o problema dos cidadãos comuns, como eu e você, é pensar que obter e exercer o Poder são coisas reservadas somente aos Políticos. Quantos cidadãos vocês conhecem que pensam exatamente assim: imaginam que o exercício do poder só se realiza quando “se chega lá”!

Pois esta forma de pensamento típico de países despolitizados como o nosso não é uma novidade. De maneira diferente, Hobbes e Locke inauguraram esta discussão sobre a forma do exercício do Poder. Para meus alunos e ex-alunos vocês se lembram: tanto Hobbes quanto Locke são “contratualistas”. Na teoria hobbesiana, a humanidade passou de um período chamado “estado da natureza” para o “estado civil”. No “estado da natureza” não existiam regras, não existiam leis e eram todos contra todos (para tentar imaginar como eram as coisas, vá ao estádio de futebol em um domingo, sente-se naquela parte vazia da arquibancada que separa as torcidas do Palmeiras e do São Paulo ─ do Corinthians o exemplo não se aplica porque eles estão na segunda divisão ─ acaricie um pastor alemão da Polícia Militar, vista qualquer uma das camisetas e vá ao encontro da torcida contrária à cor da camiseta que estiver vestindo e descubra o verdadeiro “estado da natureza”). No processo das experiências históricas, o homem percebeu que um Poder soberano era necessário para garantir a paz social. Trata-se de um juiz que, baseado nas regras existentes, aplica a lei de forma soberana garantindo assim a justiça para todos. Essa é a teoria e este é o “estado civil”. Para fazer essa passagem histórica, o homem criou regras e leis, criou juízes e um grande aparato estatal destinado a exercer da melhor forma possível seu poder. Hobbes ilustrou essa passagem com a figura de um contrato. Para ele, a passagem do estado da natureza para o estado civil deu-se por meio de um contrato entre os homens fazendo com que o Estado fosse criado. Por isso ele é chamado de “contratualista”.

Locke concordou com essa tese e reafirmou suas bases ao escrever sobre o tema. Entretanto existem diferenças fundamentais entre Hobbes e Locke, pois se ambos concordam com a teoria da passagem do “estado da natureza” para o “estado civil”, ambos discordam absolutamente sobre as razões deste processo e a forma como o Estado moderno iria exercer o seu poder sobre o povo.

Antes, no entanto, de explicar quais as diferenças entre Hobbes e Locke, é importante fazer um alerta sobre a idéia da passagem do “estado da natureza” para o “estado civil”. Ainda que tenha a necessidade de ilustrar certas teorias, criando figuras e exemplos caricatos (como na brincadeira que fiz com o torcedor das arquibancadas), tenho uma especial preocupação em fazer com que meus alunos e leitores não compreendam as teorias dos clássicos como se fossem temas simples e usuais. Não. O tema, de fato, é complexo e exige por parte dos leitores algum poder de abstração. Isso serve no exemplo da passagem do estado da natureza para o civil. Em nenhum momento um troglodita, que minutos antes guerreava com outro troglodita, criou um contrato no papel em que ambos assinaram e saíram felizes com a existência do Estado Moderno. Hobbes, ao citar o “estado da natureza”, não está falando literalmente sobre indivíduos não civilizados, mas sim sobre o comportamento humano, independentemente do local ou do tempo. Trata-se de um retrato sobre a natureza humana e não sobre pessoas de carne e osso, enfim, o estado da natureza é uma forma de abstração do pensamento hobbesiano que serve para apoiar sua tese de que em algum momento na história, uma transformação social criou as primeiras instituições políticas, as quais foram representadas pelo que chamamos hoje de Estado Moderno.

Feita esta importante consideração, resta-nos voltar às explicações anteriores. O filósofo John Locke “dialogou” bastante com Hobbes. A diferença entre eles é que Hobbes defendia o poder absoluto e soberano de um líder político traduzido na figura do monarca despótico, ou seja, aquele rei que tudo pode e exerce seu poder sem limites. Para Hobbes, a autoridade absoluta era justamente o elemento que manteria as sociedades em paz, uma vez que a força era um elemento fundamental do exercício do poder político. Neste caso, o povo deveria temer e se sujeitar a esse poder. O poder do líder não era legitimado pelo povo, nem consentido, o poder do líder era baseado no medo e no terror impostos por meio da força.

Locke acreditava na tese da passagem do estado da natureza para o estado civil. Também entendia que o Estado Moderno, criado por meio de um pacto, viera com a função de manter a paz social e defender o povo das ameaças externas. Também concordava que para controlar os homens em “estado da natureza” deveria existir uma força maior que pudesse fazer o uso da violência exclusiva em nome da segurança de todos. As semelhanças com Hobbes não vão muito mais longe do que isso. Ocorre que se Locke aprecia a idéia da formação de um Estado com poderes para manter a paz social, ele entende que este Estado fora criado pelos próprios indivíduos e não algo imposto a eles como no modelo hobbesiano.

Locke entende que o estado da natureza não era algo ruim, pois na lei da natureza os homens são livres e iguais. O problema estava naqueles indivíduos que iam contra a lei da natureza, renunciando à razão e dando o direito a outros de castigá-lo. Essa idéia demonstra o ciclo vicioso em que cada integrante de um meio social que infringe as regras deve ser castigado e, dessa forma, ao ser castigado procurará vingar-se daqueles que o agrediram. A solução para interromper este tipo de processo auto-destrutivo é abrir mão de seu direito de fazer justiça entregando-o a um corpo político que representasse a maioria das pessoas, ou seja, o Estado.

Portanto, no caso de Locke, o Estado fora criado pelos homens, os quais abriram mão de seu poder individual de fazer e executar as regras e deram esse poder a uma instituição política maior. Neste caso, trata-se de um poder consentido, legítimo e baseado na escolha da maioria absoluta. Percebam a diferença entre Hobbes e Locke neste ponto. Ambos compartilham a idéia de um Estado que deverá usar a força e a violência para manter a paz social. A diferença está no fato de que um tipo de Poder é imposto e exercido por um só líder, enquanto o outro é legitimado pela maioria e compartido entre diferentes instituições, dentre elas um Parlamento.

Como já afirmei anteriormente, este texto pretende ser o ponto de partida para quem iniciará as leituras sobre esses autores ou uma forma de simplificar e facilitar a interpretação dos textos para aqueles que já leram, mas precisam de outras informações para fixar o tema ou clarear algumas idéias.

Na obra de Locke ainda existem temas muito importantes, com destaque para a questão da propriedade privada, a qual usarei de “gancho” para o texto sobre Weber e Marx.

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei, viu Re...
Eu aprendi um pouquinho tb sobre esse negocio de "poder" com o seu texto... Jah pensou em relacionar essa coisa de "poder" e como ele age mais fragmentado, relacionando a visão de "vontade de poder" em Niezstche, "micropoder" em Focault e "vontade de potência" em Deleuze?

Viajei, neh?... rsrsr!...
Bjins!

Prof. Luiz Renato disse...

Sim, viajou, mas eu gostei demais!
Poderíamos escrever um post sobre o assunto a quatro mãos, pois seus conhecimentos de Deleuze e Niezstche são maiores que os meus, enquanto que eu poderia fazer uma análise da questão via Focault, aproveitando alguns filósofos políticos que trabalham muito com isso. Obrigado pela idéia!
Um beijo!
Re

Anônimo disse...

Oi Rê...

Adorei os textos... adoro ler sobre esses autores e principalmente sobre Niezstche, que é meu preferido!!! Adoro ele!!!
Parabéns pelos seus textos!!!!
Parabéns pelo excelente profissional!!! Beijos Dan