segunda-feira, dezembro 04, 2006

Chávez e Lula: a pobreza como um novo idealismo

Do Blog de Reinaldo Azevedo:
"Até que a Venezuela continue faturando os petrodólares — e é bom esquecer uma queda no preço do petróleo: não virá — o modelo de Hugo Chávez continua de pé. Isso nos leva a constatar que estamos assistindo à consolidação da ditadura, embora mitigada, na Venezuela. Chávez recorre aos instrumentos da democracia com dois propósitos: 1) engessar o próprio regime democrático; 2) simular a existência de uma disputa eleitoral que é irrelevante. Traduzindo: usa a democracia para solapar o regime. O passo seguinte do líder dito bolivariano, na verdade, já está dado: vai instituir a reeleição sem limites no país. E pode fazê-lo porque dispõe de maioria no Congresso. Aquilo a que se assiste de forma larvar no governo Lula já está bastante desenvolvido na Venezuela: a clivagem eleitoral entre “ricos” e “pobres”, entre “eles” e “nós”, entre “as elites” e o “povo”.
Tanto na Venezuela como no Brasil, a vida dos miseráveis está condenada à eterna reprodução da miséria, porém com alguns caraminguás a mais, garantidos pelo assistencialismo agressivo.
Chávez e Lula, com graus variados, é verdade, de retórica esquerdista, tornaram-se os capitães de uma manifestação perversa, teratológica, do capitalismo. A pobreza se torna uma cultura, manifesta-se como um valor, exercita-se como “pobrismo”. Se, na vertente socialista, os “oprimidos” se organizavam para virar a mesa, fazer a revolução, extinguir as classes, no modelo desses dois líderes — na Venezuela, de forma escancarada; no Brasil, de forma ainda mitigada —, os pobres exercitariam uma espécie de, poderia dizer Tarso Genro, tensão dialética permanente.
Observem que, cada um à sua maneira e segundo o que permite a economia do seu país, Lula e Chávez, a despeito da retórica esquerdopática, a despeito do antiamericanismo (virulento lá, mais suave aqui), a despeito de uma certa contraposição ao capitalismo, são fidelíssimos ao mercado. A Venezuela é pequena perto do Brasil e praticamente não tem mercado de capitais. Assim, o país está a salvo do prenúncio de terremotos econômicos por mais que o coronel estrile. Não é o caso do Brasil. Por aqui, se Lula fizer ou falar muita besteiras, crises futuras são trazidas a preço presente. De qualquer modo, são homens disciplinados, pagadores de suas dívidas. Um conforto só para os tais “mercados”.
Então está tudo certo? Não. Está tudo errado. A Venezuela virou uma monocultura extrativista. No Brasil, os investimentos, como sabemos, são sofríveis. Ocorre que ambos, como dizem alguns sociólogos e filósofos, acordaram o clamor das massas. E eles não tem nada para lhes oferecer além de assistencialismo agressivo e retórica contra as elites. Esse modelo — reitero que a diferença entre ambos, no que concerne à política, é de grau, não de essência — requer a existência permanente de um inimigo a ser combatido. Chávez tem os EUA e, como sabem, a mídia. Lula tinha o passado (o governo FHC, as elites, os tucanos), arma que vai se tornando obsoleta. Não por acaso, o petismo já detectou no horizonte a nova besta a ser combatida: acertou quem chutou a “mídia”.
Daí que vá se dedicar agora a reforçar o que os petistas não têm vergonha nenhuma de chamar de “imprensa independente”. Chávez não vai deixar o poder a não ser que seja colhido por uma grave crise social, motivada pela inviabilidade do modelo. Vai demorar. Lula, não se enganem, prepara-se para fazer o mesmo — e nem precisa estar na cabeça de uma disputa eleitoral. Se existe alguém da oposição que aposte que a fadiga de material trará o poder de bandeja, convém que tire o cavalo da chuva ou bote o burro na sombra. O grande ativo do capitalismo à moda Chávez e à moda Lula são os pobres. Que passaram a ter uma “voz política” para falar em nome da pobreza permanente, tornada um valor, uma metafísica, um novo idealismo."

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