sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Deixa Falar!


Vão dizer que é preconceito, mas minha resposta é: Deixa Falar!

Realmente eu acho linda a festa de carnaval, adoro o som das baterias, me encanto com a felicidade das pessoas nas ruas, com a plasticidade dos desfiles das escolas de samba e acho muito atraente viver em um país tão grande que se mobiliza em torno de uma festa popular. Penso em tudo isso e realmente acho bárbaro! O carnaval é tão maravilhoso, quanto este tinto que estou tomando enquanto observo o lago de águas brilhantes refletindo a luz do sol, que impera junto ao céu azul, emoldurando as montanhas com seus picos nevados. Faz frio.

Do quarto do Badrutt's Palace Hotel, em St. Moritz, na Suíça, onde estou, desligo as notícias sobre o carnaval carioca, entremeadas de policiais disparando tiros para todos os cantos e de uma senhorita gritando ao jornalista que não estava saqueando, mas sim tomando emprestadas algumas telhas de amianto e fiação elétrica de um Centro de Cidadania do Rio, apenas para vender e comprar comida. No Centro, que sequer existia e nem funcionava de fato, não sobrou nem uma placa para dizer:

“Aqui jaz um ex-futuro Centro de Cidadania. Morremos, sim, mas cumprimos a missão de ajudar as pessoas, distribuindo nossas instalações para que o Bloco dos Foliões Saqueadores pudessem brincar o carnaval.”

Após desligar a TV comecei a refletir, entre um gole e outro de um Cabernet Sauvignon, sobre o nosso carnaval. Que linda festa. Mas eu gostaria de viver aqueles tempos do início de sua história.

Vão dizer que sou nostálgico, mas... Deixa Falar.

Naqueles tempos, lá pelo século XVI e XVII em Portugal, a festa que antecedia a Quaresma se chamava “Entrudo” e era um período em que as pessoas faziam esferas bem finas de cera e colocavam água no seu interior. Quando chegava a hora da festa era uma verdadeira guerra de bolinhas de cera cheias de água e também farinha e ovos. Algum espírito de porco, achando a brincadeira engraçadinha, começou a misturar a água com uma essência mau cheirosa e assim a festa foi perdendo o aspecto alegre e passou a ser uma manifestação desagradável e de certa forma violenta. Mas então porque eu prefiro essa época? Ora, porque com o Entrudo poderíamos convidar a Ângela Guadagnin e seria lindo vê-la dançar toda de amarelinho com a turma a se esfalfar de tanto jogar ovo e farinha. Que lindo também seria ver o folião José Dirceu todo animado, no corredor polonês, sob bolinhas de cera cheias de água com cheirinhos duvidosos.

Vão dizer que sou Careta, mas Deixa Falar.

No Brasil, o Carnaval chegou por meio do Entrudo e já naquela época a Polícia e a Igreja tratavam de reprimir os “foliões” que jogavam água, farinha e ovos em todo mundo, inclusive em crianças, mulheres e idosos. Como a confusão era grande, o movimento teve uma cisão e foram formados dois grupos: em um ficavam os brancos e mulatos de classe média e, no outro, os negros e os mulatos pobres. E assim foram criados os famosos Carnaval de Rua e Carnaval de Salão. Pessoalmente me parece de um forte poder simbólico observar que nos grandes desfiles das escolas de samba, os pobres desfilavam nas ruas e os ricos se encantavam com a beleza distante, em seus camarotes cheios de champagne. Mas sei que atualmente até isso está difícil. Custa caro, também, para desfilar na rua e hoje os estrangeiros têm direito a sala vip na concentração, massagem nos intervalos e regalias aos montes.

Vão dizer que sou chato... Deixa Falar!

Pois daqui de meu quarto de hotel nos Alpes Suíços fico imaginando, com inveja, como os foliões se divertem! Quanta alegria, quanto beijo na boca de gente que nunca se viu, quanto suor, quantos pisões, cotoveladas, cerveja quente caindo sobre a cabeça, quantos arrastões, hotéis lotados, estradas paralisadas, ruas cheias, desmaios, convulsões, beliscões, além dos milhares de litros de soro na veia dos brasileiros onde corre sangue, fúria e álcool em abundância... Que Maravilha!!!!

Vão dizer que sou sonhador, mas não me importo... Deixa Falar!

Entretanto o carnaval é libertador. Ele nos livra de todos os males e de todos os problemas. É por isso que daqui, da janela de um lindo hotel nos Alpes Suíços, enquanto me recupero da adaptação ao fuso horário, deixo a vocês uma palavra de esperança de que um dia eu terei condições de me hospedar, ao acordar deste sonho, de fato, no Badrutt's Palace Hotel e não onde estou de verdade neste momento, escrevendo para vocês, da mesa de meu trabalho e pensando: que diabos vou fazer nos próximos 5 dias?

Pois bem, se é verdade que o carnaval é libertador, então ele me ajudou a libertar-me de meu sonho suiço e, por esta razão, dedico este texto ao nosso carnaval e à primeira escola de samba criada no Brasil, por Ismael Silva e que mais tarde se transformou na famosa Estácio de Sá.

O nome original da escola era: "Deixa Falar".

Por isso, se disserem que sou preconceituoso, nostálgico, careta, chato e sonhador, minha resposta é... bem, vocês já sabem.

2 comentários:

Anônimo disse...

Cantaremos algumas canções. Veremos muitos blocos, troças, estandartes. Ouviremos os batuques de bem longe. Enxergaremos as luminárias que reluzem à margem do grande rio. Desfilaremos nossas fantasias pelas praças. Engoliremos a nossa cachaça. Bateremos nos nossos amigos. Roubaremos carinhos dos homens e das mulheres. Apertaremos as mãos dos políticos. Agradeceremos pelo circo. Comeremos o nosso pão. Avançaremos os sinais vermelhos. Atropelaremos os velhos. Seremos jovens ao amanhecer. Riremos até engolir nossas orelhas. Deixaremos nossos detritos nas areias. Brindaremos... Brindaremos ao carnaval e você nao estará aqui para ver.

Você vai dizer que somos foliões com hormônios transbordando loucamente, mas... Deixa falar.

Anônimo disse...

A irônia nasceu para poucos, não é mesmo meu caro?! Pois bem, primeiro senti inveja do hotel nos Alpes Suíços. Segundo, lembrei da Angela e sua dancinha, q deprimente, eu poderia ter ficado sem essa...Terceiro, o Carnaval é uma época meio complexa, as pessoas comemoram o nada, fazem o que querem sem o menos pudor, pois sair beijando td mundo no carnaval pode, durante o ano é putaria (com o perdão da palavra), mas apesar de td isso eu gosto do Carnaval. Às vezes se divertir com os amigos, viajar e outras coisinhas são as melhores coisas do mundo, Porém, qdo o Carnaval acaba, os velhos problemas não podem ser esquecidos, mas sim retomados à pauta.
Abraços.