Já escrevi aqui e discuti em sala de aula que certos termos e expressões, carregados de significados ideológicos, políticos, científicos e filosóficos são utilizados pelos leigos como se fossem verdades absolutas e, uma vez desprovidas de seu sentido preciso, são vocalizados com galhardia e coragem pelos mais incautos cidadãos.
Por exemplo: alguém aqui sabe exatamente o que é ser de esquerda e de direita? Alguém pode me dizer o que significa a chegada do “risco-brasil” no nível 100?
Onde está a certeza de que a desmilitarização dos controladores de vôo irá gerar o fim do Apagão Aéreo?
Afinal, qual foi a matemática utilizada pelo Romário para dizer que ele finalmente marcará seu gol número 1.000? Será que ele não estaria no 1007? 980? E aquela pelada no final de semana que foi registrada pela filha da cunhada da vizinha do campinho de Macaé, na década de 80? Valeu? Se o Pelé somou o gol que fez, vestindo um terno, no evento que marcou a demolição do estádio de Wenbley e acrescentou à sua lista os gols que fez contra a seleção do exército, o Romário poderia somar os gols que marcou nos churrasquinhos de fim de semana na casa dos amigos e na chácara do Chico Buarque!
O fato é que cada um toma para si certas palavras e cria seus conceitos e verdades sobre elas de acordo com a conveniência do momento, assim como fazem com cálculos e estatísticas de desemprego e do crescimento do PIB. Se está ruim, ora, vamos mudar o cálculo e dar aquele jeitinho de fazer a estatística jogar a nosso favor. Este processo, em alguns casos é pura cara de pau, porém em outros, significa que ainda existem certos conjuntos de conhecimentos sobre os quais a maioria das pessoas não domina.
Eu, por exemplo, desconheço os efeitos do movimento caótico, o caos, sobre a mecânica quântica. Tampouco compreendo as relações binárias e não sei reconhecer se são reflexivas, assimétricas ou qualquer outra coisa que o valha. Da mesma forma, até hoje jamais consegui fazer um pudim de leite condensado igual ao da minha avó e tenho certeza de que não conseguiria fazer um gol vestindo terno com gravata apertada no pescoço. Dessa forma, devemos tomar cuidado com certas “verdades” que escutamos e também verbalizamos.
Desconfiar sempre. Este é o lema!
Se o fulano se diz “de esquerda” e por isso se considera um sujeito “do bem”, “do povo” etc, basta uma pergunta simples para complicar a vida do rapaz: Mas você é marxista leninista, trotskista ou bolchevista? Heim? Pronto, está feito o estrago.
Para a massa da classe média, o assunto do momento é o Apagão Aéreo. Por alguma razão, alguns formadores de opinião, membros do governo federal, da imprensa, dentre outros, venderam/aceitaram tranqüilamente a tese de que a solução para o problema está na desmilitarização dos controladores de vôo. Pouca gente utilizou o nosso lema e, sem desconfiar, passaram a repetir diuturnamente e propagar a “solução”. Alguma pessoa que resolvesse questionar criticamente a idéia faria algumas daquelas perguntas impertinentes, como por exemplo: mas esta solução é juridicamente legal? Ora, se para ingressar em uma determinada carreira é necessário passar por um concurso público, como seria feita a migração de servidores militares para o serviço público civil sem a realização de uma prova para tal? Outra questão capciosa: se o espaço aéreo brasileiro é protegido pela Aeronáutica e os radares operados são os mesmos que os controladores utilizam atualmente para gerenciar o tráfego aéreo, com quem ficaria o sistema? Com os controladores civis alocados em outros ambientes ou com os militares? Afinal, quem vai mandar nos radares? E se forem os civis, com quais equipamentos os militares protegerão nosso espaço aéreo?
Na verdade, este processo não irá acabar com a crise no setor, irá apenas possibilitar maior poder de barganha salarial à categoria dos controladores de vôo. Se na condição de militares eles são capazes de parar o país, imaginem quando a transição de sargentos para companheiros estiver 100% realizada e os novos servidores estiverem devidamente sob a custódia e o amparo de alguma Central Sindical.
Pois bem, certas “verdades” não devem ser repetidas sem antes utilizarmos o nosso lema: desconfiem, meninos e meninas... desconfiem...
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