sábado, outubro 27, 2007

Estudar pra quê?

Ao entregar mais uma, das inúmeras notas baixas de um aluno da faculdade, chamei-o de canto e perguntei: porque você nunca estuda para as provas? Porque você sempre chega atrasado e por quais razões você não parece nem um pouco preocupado? Ao que ele, sorridente e confiante, respondeu: Professor! Eu não preciso estudar. Eu sou criativo!!!
A vida de um professor está repleta dessas histórias. Contou-me uma amiga, professora também, que outro dia, em uma aula de matemática, do curso de Marketing e Vendas, uma aluna levantou-se e disse: "mas "prófi", eu comprei (sic) um curso de Marketing e Vendas, mas até agora não tive nenhuma aula sobre isso!" Ao que a professora respondeu: "como não? Você já teve disciplinas sobre marketing, planejamento, orçamento, estatística, mercado..."
"Então "prófi"! E eu ainda nem sei vender!!!"
A realidade é que eu percebo que tem muito aluno que não entende muito bem o que significa um Curso de Graduação. A vida universitária representa a primeira etapa da fase efetivamente adulta. A partir da faculdade os jovens já pensam (ou deveriam pensar) nos estágios, no futuro trabalho, mas principalmente em sua preparação intelectual e no início da construção daquilo que ele pretende ser enquanto adulto e profissional produtivo.
Mas é difícil competir. Há alguns dias uma grande editora lançou uma revista com nome de batom melado com sabor e brilhinho. Antes do lançamento, naturalmente foi feita uma série de comerciais. Me chamou a atenção o da TV, em que aparecia uma menininha linda, inteligente e estudiosa. A menina cresce, entra na faculdade e a primeira imagem que aparece é ela beijando loucamente na boca enquanto o namorado ou ficante ou sabe-se lá quem, vai levantando a blusa da moça embaixo da escada da faculdade, em plena luz do dia. Em seguida vem o slogan, "a revista para os melhores anos da sua vida". É evidente que o público a qual se destina está na faixa dos 18 aos 28 anos, ou seja, segundo o IBGE, uma faixa que representa cerca de 20 milhões de mulheres brasileiras. A maior parte das minhas alunas está nesta faixa, mas não acredito que elas representam o público-alvo, afinal, jamais vi alguma sendo malhada no corredor da faculdade enquanto tem sua blusa levantada sem escrúpulos.
O problema está na mania que a publicidade, os programas de TV e a mídia têm em tratar certos assuntos com superficialidade, valorizando o hedonismo, o consumo e a matéria, em detrimento da essência.
Outra propaganda que me chamou a atenção foi do lançamento de um carro. O slogan é: "Ou você anda na linha ou você anda no novo Vectra GT". Na mídia impressa, aparece a foto do veículo convidando o leitor a "sair da linha", traduzindo, comprar o carro, cujo valor está entre 60 e 78 mil reais. Curioso notar que embaixo do veículo existia uma espécie de box que incluia palavras como Pós-graduação, Mestrado ou coisas parecidas, o que para o pacóvio que a criou, supõe pertencer ao campo daqueles que andam na linha. Pensei comigo: ora, para ter 78 mil reais para gastar em um carro, penso que é preciso que o sujeito tenha andado muito "na linha" (leia artigo que publiquei abaixo para entender porque "andar na linha" dá dinheiro). Exceto para traficantes, ladrões ou membros do alto comando petista, além de mensaleiros em geral, deve ser bastante difícil dispor dessa quantia sem antes ter trabalhado muito e estudado idem. Um amigo, gerente de um banco, que gosta de carro e estudou bastante durante toda sua vida ficou indignado. "Não compro por causa da propaganda". Acabou ficando com um Volvo C30.
A despeito da forte campanha viral, das inovações técnicas e do "teaser" bem original, o conteúdo e a mensagem acabam sempre caindo naquela velha monotonia do "tipo assim, vamos curtir a vida pra c..." Chatinho isso. Como sempre, tudo bem superficial. Diferente da propaganda da Ford, cujo slogan de seu sedan de luxo é: "quem dirige um Ford Fusion fez por merecer". Esse faz mais sentido.
De qualquer forma este não é um post sobre propaganda, mas sobre como a propaganda pode ajudar a transformar as pessoas em gente cada vez mais sem graça.
Seja a propaganda do carro ou a revista, cujo primeiro número ofereceu mais de 400 dicas de beleza, ensinou como transar na casa dos pais sem dar bobeira, como juntar uma grana para ficar rica... enfim, segundo uma leitora que escreveu elogiando a publicação, "a revista tem tudo que uma mulher prescisa (sic)". Escrevendo assim, talvez ela precise, também, de algumas dicas de gramática. O pior de tudo é que muitos jovens, incluindo alunos meus, acreditam na propaganda e dessa forma juram que para ter sucesso basta ser criativo.
É verdade. Estudar pra quê? Vamos consumir!!!

Um comentário:

Anônimo disse...

Reeee... Não sabia deste seu lado polemico... O que é a insônia?!... Adorei seu texto...

Abs...