Tempos atrás escrevi um post sobre o filme Tropa de Elite. Tratava-se de um breve comentário sobre a forma com que muitos profissionais de comunicação utilizam certos termos técnicos de maneira equivocada. Pois bem: o Urso de Ouro recebido pelo prêmio de Melhor Filme do Festival de Berlim é uma das provas de que eu estava certo. Tropa de Elite não é um filme fascista! Jamais um crítico, um cineasta ou um júri alemão daria um prêmio tão importante para um filme fascista ou nazista. Desse assunto eles entendem bem, mas hoje preferem ser vistos como um povo que combate a teoria que outrora alimentou suas esperanças em uma vida melhor. A ilusão que começou efetivamente a desmoronar quando os primeiros britânicos e americanos desembarcaram nas praias da Normandia, durou apenas alguns anos e o resultado todos conhecem.
Dessa forma, tomo a liberdade de publicar novamente aquele post apenas para confirmar um dos aspectos que tanto critico na imprensa brasileira e que em sala de aula luto para implementar junto aos meus alunos: a preocupação com o correto e adequado uso de determinados termos para cada situação.
O texto segue abaixo, em itálico.
"As vezes me cansa certas discussões que a mídia gosta de fazer. A do momento é sobre o filme Tropa de Elite. Um filme tão bom que obrigarei todos os meus alunos a reservar um horário no fim de semana para assistir a uma sessão.
Aluno Entediado: “Mas como assim, vai me obrigar? Eu vou se eu quiser!”
Professor resignado: “Tudo bem, se não quiser ir não tem problema. Mas vai ter que fazer trabalho sobre o filme e quem não fizer fica com zero, entendeu?”
Aluno resignado: “Sim, entendi, mas não concordo com esta obrigação. Você é um Fascista!!!”
Se quiserem me chamar de fascista, tudo bem, mas antes é preciso entender que diabos significa isso, certo?! Pois é justamente este o problema das discussões em torno de Tropa de Elite. Não há um só dia em que eu não leia alguém dizendo que o filme é Fascista. Um colunista de um famoso jornal escreveu nesta manhã que o filme não é fascista, mas sim o BOPE, Batalhão de Operações Policiais Especiais, da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Na verdade, nem um nem outro.
Os colunistas escrevem e a patuléia repete. Ao ler esse monte de matérias sobre o filme de José Padilha me lembrei de um tempo em que tinha fixação por Torta Holandesa. Isso mesmo, Torta Holandesa, o doce com creminho branco e bolachas em volta.
Naquela época eu rodava a cidade em busca de uma espécime legítima e bem feita da bendita. Não havia um recinto gastronômico (restaurante, padaria, cantina de escola, botequim, casa da avó...) que não entrasse e fosse logo espichando os olhos em volta para encontrar a famosa Torta Holandesa. E lá vinha ela, sempre de um jeito diferente. Ora com um creme cheirando à manteiga grosseira, outra com o creme pastoso e molenga, outra com os biscoitos murchos, ou então com o chocolate sem gosto; algumas vezes ultra-congelada e outras derretendo; dependendo do lugar eram servidas em um prato de louça riscado, num pote de plástico transparente, num recipiente de sorvete, enfim, era tudo, menos Torta Holandesa bem servida. Claro, haviam as exceções. Mas também eu não posso reclamar. Afinal, Torta Holandesa nem é holandesa mesmo, assim como o fascismo atribuido ao filme não tem nada a ver com o fascismo em sua acepção original.
O Fascismo é um regime de massas caracterizado pelo forte espírito de negação. Exceto pela defesa do nacionalismo, os fascistas negavam o socialismo, o comunismo, o liberalismo, a burguesia industrial e financeira, bem como os proletariados. Notem, leitores, que a negação é a palavra de ordem para o movimento.
Para colocar em prática sua estratégia, os fascistas criaram um movimento partidário e ao mesmo tempo parecido com uma mílicia, o qual proporcionava aos seus seguidores a possibilidade de perseguir seus rivais de maneira bastante eficaz, utilizando de um lado o terror como tática de ação em busca do monopólio do poder político e, de outro, os mitos, símbolos e rituais para angariar simpatizantes via o uso intensivo do apelo estético.
O fascismo é fruto de uma crise moral que prevaleceu no período do pós-guerra (me refiro à I Grande Guerra) convertido em ação política policialesca, antidemocrática, com forte intervenção do Estado nos campos econômico e social, com uma rigorosa hierarquia, traduzidos em uma figura carismática e de grande eloqüência, denominada Il Duce, o chefe.
Dessa forma, o recurso à violência e à dominação, desrespeitando-se o Estado democrático de direito, faz de uma parte do fascismo algo que possa lembrar as ações de grupos estatais, cuja ação se desprende das normas constitucionais, sob o pretexto de maior eficácia dos resultados pretendidos. E seria por isso que alguns jornalistas emprestam o termo “Fascismo”, seja ao filme de Padilha, seja ao BOPE, para explicar o ambiente de violência e desrespeito aos Direitos Humanos e à legalidade.
No entanto, com uma singela “forçada de barra”, poderíamos relacionar “Tropa de Elite” com outras correntes ideológicas ou práticas políticas registradas na história, as quais não representam os ideais fascistas. Tudo isso porque os termos do campo político são tratados sem qualquer parcimônia ou vergonha pelos intrépidos jornalistas, assim como o fazem com outros termos como “maquiavelismo”, “esquerda”, “direita”, “neo-liberal” e por aí vai.
Basicamente, tratam os conceitos políticos como os confeiteiros tratam a Torta Holandesa. Pegam uma receita qualquer, adaptam às necessidades, misturam tudo, enfeitam como podem e entregam ao público para que engulam acreditando que aquela é a verdade. Dessa forma, se Torta Holandesa não é da Holanda e cada um faz do jeito que lhe aprouver, Tropa de Elite não é fascista, mesmo que cada qual o defina como quiser. Enfim, o mau uso dos termos políticos é “osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!”
2 comentários:
Fiquei feliz com o prêmio conquistado. Acredito que Tropa de Elite seja um dos grandes filmes da história do cinema nacional.
De fascista ele não tem nada. Apologia a violência? Talvez. Mas garanto que não senti dó nem do fogueteiro e nem da mocinha de classe média alta.
Espero que outros prêmios cheguem e que o Brasil comece a entender que Tropa de Elite não é apenas um filme de ficção, mas sim, uma mensagem à nossa negligência como cidadãos e como eleitores, uma vez que não colocamos ninguém que realmente mude o sistema de segurança pública ou que esteja interessado em combater o tráfico.
Sugestão de Pauta:
- Saída de Fidel Castro do poder de Cuba. Será que ele sairá mesmo, em definitivo????
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