terça-feira, março 25, 2008

A Corte Portuguesa e as eleições municipais em 2008

Fonte: Blog do Noblat
Autor: Adauto Damásio

O ano de 2008 marca o bicentenário da chegada da Família Real no Brasil. Mais do que um exemplo histórico que marcou o início do efetivo processo de independência brasileira, marca também o início da bandalheira nacional com o dinheiro público e o predomínio do poder executivo sobre os outros poderes.

Como sabemos, D. João VI, o governo e toda a corte portuguesa fixaram sua sede no Rio de Janeiro em função das pressões militares do governo napoleônico. Fugindo dos vendavais dos ideais liberais gerados na Revolução Francesa e consolidados no governo de Napoleão Bonaparte, o príncipe-regente português buscou refúgio na colônia para dar continuidade ao seu governo absolutista.

No período em que Dom João VI governou Portugal, Brasil e as outras possessões do império português a partir do Rio de Janeiro (1808-1821), foram instalados os pilares fundamentais do Estado Nacional que surgiria mais tarde (a partir de 1822) com a independência.

Quais eram as características desse Estado Absolutista, reproduzido no Brasil e herdado por D. Pedro I após a independência? Em primeiro lugar, o poder absoluto do rei era inquestionável, garantido pelo apoio do clero e nobreza com o apoio financeiro da burguesia comercial. Nos regimes políticos absolutistas, por princípio, não há parlamento.

Em segundo lugar, e não menos importante, o Estado absolutista português assentava seu poder a partir do apoio de uma vasta, cara e corrupta burocracia de Estado. Tal burocracia era recrutada a partir dos privilégios do nascimento ou a partir da simples compra dos cargos. O Estado não existia, no absolutismo, para resguardar qualquer direito da sociedade, mas sim os direitos de nascimento dos que possuíam o privilégio de estar próximos da corte.

Assim, foram preenchidos os cargos dos funcionários do Banco do Brasil, das Bibliotecas Públicas, das escolas superiores, entre tantas outras instituições públicas criadas no período joanino. Assim, nasceu um Estado que suga os recursos da sociedade e serve a si mesmo.

Em 1822, quando a independência política se apresentou como única solução para as elites agrárias brasileiras, o pacto com Dom Pedro assegura uma separação conservadora na qual nenhuma transformação significativa irá ocorrer: mantém-se a estrutura exportadora e a base escravista da produção agrícola. Mais do que isso, Dom Pedro I utiliza-se da já instalada máquina de Estado montada por seu pai.

A despeito de alguns espasmos liberais, as elites agrárias do país recém independente apoiaram as pretensões autoritárias de Dom Pedro I até o momento em que lhe foi conveniente, assegurando para si o poder político a partir de 1831, com a abdicação do rei. O interregno “republicano” entre 1831 e 1840 marca o período de grande tensão e guerras internas. Em 1840, a solução política pacificadora leva Dom Pedro II ao poder a partir de um rearranjo político.

Raimundo Faoro foi o mais brilhante analista do Estado brasileiro. Fugindo das mesmices e jargões comuns do marxismo dos anos 60 e 70, buscou inspiração em Max Weber para interpretar o Brasil a partir dos elementos da sua cultura política.

Assim, a tese principal no livro Os Donos do Poder é a de que o poder político na história do Brasil não foi exercido para atender os interesses das classes agrárias nem da burguesia, mas sim em causa própria por aqueles que dominavam a burocracia do Estado. Em outras palavras:

“Era, em termos de Weber, um “estamento burocrático”, que tinha se originado na formação do Estado português dos tempos dos descobrimentos, senão antes, e que se reencarnaria depois naquilo que ele chamaria de o “patronato político brasileiro”. 0 estamento burocrático tinha tido sua origem no que Weber denominava de “patrimonialismo”, uma forma de dominação política tradicional típica de sistemas centralizados que, na ausência de um contrapeso de descentralização política, evoluiria para formas modernas de patrimonialismo burocrático-autoritário, em contraposição às formas de dominação racional-legal que predominaram nos países capitalistas da Europa Ocidental. A contribuição de Faoro aqui vai além da utilização dos conceitos weberianos e da interpretação que deu do sistema político brasileiro: ela consiste, fundamentalmente, em chamar a atenção sobre a necessidade de examinar o sistema político nele mesmo, e não como simples manifestação dos interesses de classe, como no marxismo.”

(Simon Schwartzman, in: http://www.schwartzman.org.br/simon/faoro.htm)

Assim, a velha e carcomida tese de que o Estado representa em qualquer situação histórica os interesses da classe dominante deixa de ter preponderância na análise da história do Estado brasileiro, pois é preciso “examinar o sistema político nele mesmo”.

Examinando o sistema político brasileiro nele mesmo, durante todo o período republicano até nos dias de hoje, temos uma constatação trágica para a cidadania: o Estado continua com a mesma lógica de existência de seus primórdios de formação.

Tal lógica de um Estado voltado para si mesmo aparece de forma absoluta em suas estruturas, regulação e funcionamento. No Brasil, nada ou muito pouco das instituições que deveriam ser voltado para público, de fato o é.

Na terra de Cabral, os poderes legislativos e executivos, em todos os níveis da federação, existem para contemplar os interesses de seus integrantes, parlamentares e funcionários. O poder judiciário organiza-se mais para defender interesses coorporativos do que para aplicar a justiça. Sindicatos se organizam e agem apenas com o objetivo de garantir interesses políticos, seus projetos de poder e os interesses corporativos de seus afiliados. Associações de médicos servem para defender os interesses dos médicos. Eleitores votam em função de seus interesses particulares.

Na terra de Cabral, até as Organizações Não-Governamentais (ONGs) servem aos objetivos privados na promíscua relação com o Estado. Na terra de Cabral, a sociedade pouco se organiza e quando o faz, na maioria das vezes, é para o benefício próprio dos que constituem a “confraria dos espertos”. Dinheiro público continua a ser dinheiro de ninguém.

O caso do parlamento brasileiro é o mais notado pela mídia e discutido nas ruas. Afinal, para que serve uma Câmara de Vereadores ou uma Assembléia Legislativa? Sabemos que suas funções centrais giram em torno da produção das leis e da fiscalização dos atos do poder executivo. Mera teoria.

No Brasil, com eleitores e políticos irresponsáveis, o poder legislativo torna-se ora um grande balcão de negócios particulares, ora um poder subserviente ao executivo por conta das benesses oferecidas aos seus membros, ora uma grande empresa improdutiva montada para empregar os amigos e garantir a continuidade no poder por meio dos mecanismos de favor e do clientelismo.

Não importa a ideologia ou o partido político. As antigas facções de esquerda e direita, expressões horrorosas e inadequadas para o mundo contemporâneo, participam da mesma lógica no exercício do poder: ele existe para que seus ocupantes se locupletem de privilégios e garantam interesses particulares. Claro, usando o dinheiro público advindo do trabalho dos indivíduos que trabalham e geram riqueza.

Tomemos como exemplo as Câmaras Municipais. Tomemos como exemplo mais específico a Câmara Municipal de Valinhos/SP. Ela consumiu R$ 4.502.504,20 no ano de 2006. Tais recursos foram usados para a manutenção de 10 vereadores. Em média, cada vereador custou aos cofres públicos a quantia de 450.250,42 ao longo de um único ano parlamentar. Não há justificativa para tamanho descalabro. Não há motivação suficiente para que os gastos sejam tão escandalosos. E pasmem, os vereadores consideram os recursos insuficientes...

A Câmara Municipal de Valinhos pode realizar os seus trabalhos com toda a dignidade com metade dos recursos atuais. É inadmissível que a existência de uma carga tributária escandalosamente elevada como a que existe no Brasil sustente as benesses de 10 vereadores. Caso fossem 20 vereadores, também não seria justificável.

Os trabalhadores assalariados, camadas médias e empresariado do Brasil precisam ‘acordar’ nas eleições de 2006. Esse arremedo do que chamamos de sociedade precisa se organizar e exigir que o poder público (executivo e legislativo principalmente) se comprometa a reduzir gastos supérfluos e diminuir impostos.

É preciso que a Corte de Dom João VI vá embora para que possamos proclamar a república.


Adauto Damásio é Mestre em História pela Unicamp, professor do Colégio Anglo Campinas, Assessor Acadêmico da Anhanguera Educacional e amigo do Luiz Renato (hehehe).

Um comentário:

Gabbis Conde disse...

Após tanta sabedoria só resta PALMAS!!!

Interesso-me muito por política, atípico para uma jovem. A sensação de que eu sozinho nada farei ainda nos corrói por dentro e nada é feito, reivindicado, muito menos tentado mudar.

Beijokas