Nada melhor do que retomar os trabalhos de nosso blog, este preguiçoso, com um texto leve, porém verdadeiro. Trata-se de uma história real, vivida por alguém que, não se sabe ao certo a razão, sempre atrai para si as situações mais inusitadas.
Quando cheguei ao saguão de embarque do Aeroporto Internacional de Bogotá, percebi que meu vôo seria povoado pela raça de gente mais peculiar do planeta: a nossa! Pés sobre as cadeiras, pessoas deitadas ocupando 3 ou 4 poltronas, gargalhadas estridentes, gritos, palavrões, migalhas de salgadinhos pelo chão e crianças histéricas correndo. Todos os jovens sentados e todos os idosos em pé. Seguramente se tratava de um saguão tomado por brasileiros.
Respirei fundo e disfarcei minha nacionalidade o quanto pude. É que me dá vergonha, entendem?! Pois bem, com o cheiro de chulé pelo ar (brasileiro não consegue ficar mais de 30 minutos em um ambiente como aquele sem tirar o sapato), abri meu livro e tentei me concentrar. Impossível, claro.
Minutos depois a mocinha do sistema de som convidou os passageiros em cadeiras de rodas, idosos e de primeira classe a entrar na fila em primeiro lugar. Todos eles ficaram por último. Ao primeiro som da voz em que dizia algo como: Atenção passageiros do vôo de número 0650, uma turba se lançou sobre a porta de entrada se acotovelando e terminando de pisar nos doces e salgados que haviam jogado no chão minutos antes.
Uma família composta por pai, mãe e 3 filhos chegou primeiro, apesar do mais novinho ter ficado para trás, sua babá, toda de branco, tentou amparar a criança desconsolada. Um casal de meia idade, com a mochila da CVC, era empurrado pela massa, enquanto outra família com pinta de aristocrática se queixava da bagunça; naquele instante percebi outra família, ainda maior tentando organizar seus bilhetes. Paaaaiiiii, seu bilhete está comigoooo! Cadê a Vovó? Gente a vovó sumiu! Caio, devolve meu iPod! Mãe, não acho minha mochila!
Percebi imediatamente que aquelas não eram pessoas, eram personagens.
Finalmente entrei na aeronave e descobri com um certo prazer que meu assento era o primeiro da segunda metade do avião, de maneira em que não tinha nenhum outro assento à minha frente e isso me permitiria esticar minhas longas pernas. Minha satisfação se desfez assim que percebi que os banheiros também estavam na minha frente. Tive o ímpeto de perguntar qual o nome do infeliz que colocou aqueles banheiros justo ali, mas logo percebi que seria inútil.
Tudo bem, vamos voar. Voar? Não, impossível. O avião não sai do solo enquanto todos os passageiros não se acomodarem e essa tarefa é praticamente impossível quando mais de 80% dos habitantes do "obitáculo aeronáutico" têm, em suas bagagens, um passaporte com a palavra “Brasil” impressa na capa. Reparei que a babá de branco estava na primeira fileira, do lado esquerdo, à minha frente. Ela sentou-se, apertou o cinto e respirou fundo, levantando os ombros e fazendo o sinal da cruz. Depois virou-se para a patroa e perguntou se estava na hora da mamadeira. Não, não estava.
O casal da mochila da CVC sentou-se ao meu lado e logo que apertaram o cinto ele lembrou que havia esquecido seus óculos.
Levantou-se, abriu o compartimento de bagagem de mão, retirou a mochila da CVC, abriu o zíper, retirou a caixa de óculos, abriu o recipiente, extraiu suas lentes de seu interior, fechou a caixinha, guardou na mochila da CVC, fechou o zíper, colocou-a de volta no compartimento de bagagem, fechou o compartimento, pediu licença e sentou.
A família da vovó perdida resolveu que queriam, todos... vou repetir... TODOS, mudar de lugar. Assim, a mãe trocou com o filho, o pai com a filha mais nova, a filha mais nova queria ficar ao lado da prima, que trocou com o irmão, que cedeu lugar à mãe e foi se sentar junto da irmã mais velha, que já havia trocado de lugar com os tios que queriam sentar no corredor, sendo que as janelas foram ocupadas pelos adolescentes do grupo e, depois de toda a troca, a vovó ficou em pé. Sim, a vovó não sabia mais qual era seu assento e perdera seu bilhete. Uma reunião de emergência foi convocada pelo pai da família e assim todos se levantaram novamente para, em frente ao banheiro, descobrir onde fora parar o bilhete da avó.
Enquanto eu tentava escutar a discussão, o senhor da mochila da CVC se lembrou que havia esquecido de pegar seu livro. Então levantou-se, abriu o compartimento de bagagem de mão, retirou a mochila da CVC, abriu o zíper, retirou o livro, fechou o zíper, colocou-a de volta no compartimento de bagagem, fechou o compartimento, pediu licença e sentou.
A babá sorria amarelo para a patroa e perguntava: tá na hora da mamadeira? Não. Não estava. Então o comandante da espaçonave começou a repetir pelo auto-falante que não poderia decolar se os passageiros não se sentassem. As comissárias de bordo corriam de um lado para o outro pedindo para todos se acomodarem. A família da vovó decidiu fazer um sorteio dos lugares e esperar todos se sentarem para saber qual era a poltrona que estava faltando.
Minutos depois todos se sentaram. O avião então começou a se mover e então o senhor da mochila da CVC... bem, vocês sabem. Ele resolveu trocar os óculos que pegara anteriormente por outro de lente para leitura. Então levantou-se, abriu o compartimento de bagagem de mão, retirou a mochila da CVC, abriu o zíper, realizou toda a operação, pediu licença e sentou. Neste momento a comissária, pela enésima vez, pediu para ele e as demais pessoas sentarem.
Então o Boeing da Avianca alcança a cabeceira da pista e inicia a aceleração para seu deslocamento do solo. Quando o avião está em plena aceleração, irrompe pela porta do banheiro o filho do casal aristocrático, segurando as calças e correndo em direção ao seu assento, enquanto a comissária pedia, já com a paciência no limite, para que o moleque sentasse. O avião decola, as luzes estão praticamente todas apagadas. Eu ouço o ruído do trem de pouso sendo recolhido e, em pleno alçar vôo, com a aeronave ainda em forte vertical, aparece a babá com duas mamadeiras nas mãos, fazendo um sorriso para a comissária sentada em uma daquelas cadeiras retrateis da tripulação perguntando se ela poderia esquentar a água.
Definitivamente foi uma das cenas mais inacreditáveis que vi em minha vida. A babá, toda de branco, sorrindo para a comissária, com uma mamadeira em cada mão sendo alegremente sacudidas para que pudessem chamar a atenção e auxiliar na comunicação com a estrangeira que, atônita, arregalou os olhos de uma forma que eu nunca havia visto em minha vida. E a babá dizia: água quente?! Água quente?!
(continua...)
Um comentário:
ola Prof. Luiz Renato,
que texto fantastico!!! pq sera que o brasileiro nao consegue de comportar com um ser humano?
abracos
monica gardin
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