sábado, fevereiro 10, 2007

Violência II

Na linguagem sociológica, o termo mais adequado para classificar a ação dos criminosos que arrastaram o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, por 14 ruas do Rio de Janeiro é “desviância” ou “conduta desviante”.

As condutas desviantes, tais como o seqüestro, latrocínio, suicídio, uso indevido de drogas, dentre outras, são, segundo Pedro Scuro “tipos de comportamento aberrantes, que no entanto servem para a sociedade reafirmar suas bases de seus códigos morais, ajudando-a a sustentar seus estilos de vida “normal””. Assim, ao chocar-se com certas barbaridades e episódios estarrecedores como o ocorrido no Rio de Janeiro, a sensação de horror gera na sociedade a capacidade de resgatar os valores com os quais ela foi formada, mas que podem estar sendo abandonados paulatinamente. Ao perceber-se chocada com a violência, a opinião pública na verdade está a rechaçar este tipo de comportamento e, ao mesmo tempo, resgatando as regras que definem a consciência coletiva e que explicam a própria sociedade.

Ainda segundo Scuro, “os desvios de conduta podem contribuir para agregar os grupos heterogêneos ou em estado de desagregação, levando seus integrantes a se unir contra um “inimigo comum” (...) consequentemente quando acentua que nos desviantes falta alguma qualidade, a sociedade define o que são atributos dignos de valorização, o bem moral, a força de caráter, a inteligência ou a beleza.” (SCURO, 2004)

Ao provocar comoção na opinião pública, este caso estarrecedor cria um tipo de alerta contra a desintegração social e apresenta cruelmente o resultado de um processo de escalada de violência e de destruição de valores morais, obrigando os indivíduos a refletir sobre as condições em que vivem.

A questão crucial está no tipo de reação e de reflexão que a sociedade fará com este e outros casos que nos parecem inconcebíveis. Assim, quanto menor a capacidade de chocar-se ou escandalizar-se com eventos como esse, maior será a integração desses atos à nossa cultura e aos nossos costumes e, conseqüentemente, sua interpretação como “coisa normal”.

A reação da opinião pública frente à corrupção política pode ser um bom exemplo disso. Ao chegar à conclusão de que “todo político é ladrão” e que “os políticos só servem para roubar” a sociedade vai aos poucos introduzindo este tipo de prática como algo normal, fazendo com que uma conduta desviante passe a ser algo institucionalizado e incorporado à nossa cultura. Em países assolados pela miséria e pelas guerras civis, como na Angola, por exemplo, é comum grupos de crianças se reunirem, escolherem uma passagem pública utilizada por pedestres (uma ponte por exemplo) e simplesmente cobrarem pedágio para que as pessoas possam transitar por elas.

Dessa forma, ao não mais se espantar com a corrupção ou entender que a exploração comercial privada de um bem público (em nosso exemplo da ponte) é uma atividade normal, a desviância passa a fazer parte do cotidiano das pessoas e com o passar do tempo, naturalmente deixa de ser desviância.

Mas atenção! Não existe nesta definição qualquer tipo de valoração em termos do que é bom ou ruim, uma vez que não é possível ter uma exata dimensão do efeito provocado por condutas desviantes, pois ele está inserido nos contextos sociais, históricos e políticos de cada sociedade, fazendo com que os sociólogos e pesquisadores da opinião pública queiram examinar o significado simbólico da desviância, isto é, como ocorreu, como se desenvolveu, em que contexto foi gerada e em quais circunstâncias.

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