O ano era 1981. Abrahim Farhat e seus companheiros do PT levaram Lula e sua comitiva para comer no bar e restaurante Casarão, ao lado do quartel da PM. Lhé, como era conhecido o fundador do PT no Acre, estava preocupado porque o PT daquele estado era muito pobre e naquele dia sequer tinha dinheiro para pagar o almoço dos visitantes.
Aí aconteceu o “milagre”, que tanto Lhé admira. Todos estavam comendo, quando chegou na mesa o seu Nicolau, pai do Valter, dono do restaurante, e interpelou Lula sobre o que ele estava fazendo no Acre. Lula não o reconheceu de imediato, mas seu Nicolau tratou logo de refrescar a memória do então presidente do sindicato dos metalúrgicos. “Lula, foi você que assinou a minha aposentadoria lá no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Por isso, na casa do meu filho, vocês não precisam pagar a comida que estão comendo”.
Uma das máximas mais utilizadas nas empresas privadas para explicar como funciona o sistema capitalista é a famosa idéia de que sempre alguém terá que “pagar o almoço”. O preceito, autoexplicativo, indica a necessidade de planejamento detalhado, orçamento adequado e aplicação de recursos financeiros minuciosamente controlados como regras básicas do setor produtivo. Qualquer desvio de finalidade, erro de cálculo ou ação defeituosamente implementada acarretará algum tipo de prejuízo, cujo custo poderá ser sentido em diferentes escalas de acordo com o grau de erro aplicado.
No sistema capitalista, portanto, não existe a mais remota possibilidade de ocorrer qualquer tipo de “milagre”, uma vez que o dinheiro, no sentido ampliado de “valor”, é quem determina o movimento econômico desde o séc. XVI, quando o mercado e o comércio mundiais inauguraram o que Marx chamou de a moderna história do capital.
Desta feita, no capitalismo, cujo sistema político fundamental é a Democracia, independentemente das diferenças entre as doutrinas liberais e socialistas, qualquer atividade vinculada à sua manutenção e desenvolvimento, seja na esfera privada ou pública, irá gerar custos financeiros e algum tipo de comprometimento econômico aos seus atores.
Portanto, é dada como inquestionável a necessidade de um determinado capital que faça movimentar a máquina da democracia. Também é indiscutível a idéia de que entes dos sistema democrático, justamente por ser realizado no palco do capitalismo, devem regular toda atividade vinculada ao processo eleitoral com o objetivo de equilibrar a disputa (preceito constitutivo de igualdade de direitos da própria democracia), julgar e punir casos de abuso de poder econômico (quando ocorre o desequilíbrio na disputa eleitoral) e zelar pela própria sobrevivência do sistema, uma vez que a radical ruptura do equilíbrio perseguido é o caminho para seu desfacelamento.
Mas no sistema democrático, além do dinheiro, existem outros “valores”, os quais são importantíssimos para a captação dos recursos financeiros propriamente ditos. Tais “valores” são difíceis de serem mensurados, pois estão ligados à história dos partidos, ao prestígio de personalidades do meio político ou mesmo ao conjunto de idéias defendidas pelos mandatários do poder. Tais valores traduzem-se em capacidade de articulação e acesso a recursos para financiamento dos embates políticos.
Uma história (ou lenda!) que ilustra a importância do valor citado acima é a de uma entrevista que um grupo de jornalistas fazia com Jânio Quadros. Entre as inúmeras indagações, um repórter fez a seguinte pergunta: Dr. Jânio, como é que o senhor consegue tanto apoio para suas campanhas eleitorais? Sem dizer qualquer palavra colocou um cigarro na boca e bateu com as mãos nos bolsos do paletó que vestia fazendo menção a inexistência de algo para acender seu cigarro. Imediatamente, todos à sua volta sacaram suas caixas de fósforo e isqueiros e esticaram os braços em sua direção. Calmamente, Jânio Quadros virou-se para o jornalista e indagou: Isto responde a sua pergunta?
Esta história, independente de ser verdadeira ou tratar-se de mais uma lenda em torno da personalidade do ex-presidente Jânio Quadros e a história contada no início deste texto, sobre a visita de Lula ao Acre, ilustram com bastante simplicidade a importância de certos valores, materiais e imateriais, para a consecução de projetos políticos dos mais variados.
Em qualquer dos casos, é fato que o dinheiro, para utilizar o termo mais direto, é o núcleo que dá vida a todo o aparato necessário para o sucesso das pretenções político-eleitorais.
Porém o Brasil vive um tempo em que “milagres” não mais acontecem e que certos “valores” já não são necessariamente a garantia de uma campanha repleta de apoio. Em parte os problemas atuais são fruto de questões formativas da sociedade brasileira e da compreensão da importância da prática política.
No campo político temos como períodos de nossa formação histórica exemplos como o Patrimonialismo caracterizado pela mistura e conluio entre o poder privado e o poder estatal, que gerava súditos em detrimento de cidadãos e o Coronelismo, marcado pelo excesso de poder regional dentro de um sistema federativo, o qual provocava um excesso de dependência do ente federal em relação ao ente municipal. No plano histórico recente temos poucos períodos ininterruptos de manutenção do sistema democrático e uma herança ditatorial forjada no período da ditadura militar, pós 64, a qual transfigurou elementos importantes que serviriam de defesa do sistema democrático.
Por outro lado, a própria concepção sobre a prática democrática ainda carece de elementos positivos, uma vez que a opinião pública ainda costuma definir a participação e ação políticas com adjetivos pouco amigáveis, os quais não seriam adequados apresentar neste blog. Assim, o país da desigualdade de distribuição de renda e do abismo existente entre ricos e pobres vê as mesmas características se repetirem quando o tema é a prática política e o envolvimento dos cidadãos nos assuntos públicos.
Exceto nas vésperas dos dias de eleições, o povo brasileiro é pouco afeito a uma participação ativa no campo político justamente porque vê mais ônus do que bônus na prática democrática.
O cruzamento dessas peculiaridades, herança histórica, dificuldades de compreensão sobre o tema, precária formação política, baixos níveis educacionais e o conjunto de crenças populares e visões distorcidas da opinião pública dadas como “verdades”, formam o extrato do que entendemos como apatia e repulsa à prática política.
Referidas peculiaridades também se aplicam àqueles que se descolam da massa da população e passam a “fazer” política, isto é, participar do processo ativamente, independentemente de seu papel ser o de um protagonista, coadjuvante ou figurante. Neste caso, a compreensão sobre o tema vem transformando o problema da apatia política em verdadeiros casos de polícia. Explico-me no próximo post. Até mais!
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