terça-feira, junho 05, 2007

Série Corrupção - Parte III: Financiamento Político, corrupção, caixa dois, narcotráfico e outros bixos

Se analisarmos do ponto de vista dos profissionais que ocupam os postos de comando das campanhas eleitorais, na maior parte das vezes a Lei Eleitoral é um objeto a ser burlado. Isto porque a consecução eficiente deste objetivo corrompe imediatamente a sua função de equilibrador da disputa e, portanto, a vantagem passa a pender do lado do candidato que obteve algum tipo de exposição superior àquele que se mantém coerente com as normas importas pela Justiça Eleitoral.

É imprescindível ressaltar que todas estas afirmações não são simples generalizações sem qualquer embasamento teórico ou empírico. Trata-se apenas de uma tentativa de conduzir o leitor a um ambiente em que a crueza da disputa faz com que existam formas distintas de compreender o processo político eleitoral. Fazemos este parênteses apenas para anunciar a existência daqueles candidatos e comandos de campanhas que não só zelam pela manutenção da lei eleitoral, como também dispensam boa parte de suas energias, notadamente por meio de seus advogados, a fiscalizar a ação de seus adversários na esperança de que uma falha, por menor que seja, poderá vir a render votos no dia da eleição.

Aliás, um dos grandes aliados da Justiça Eleitoral no trabalho de fiscalização da lei, são justamente aqueles candidatos que optam pelo caminho do respeito às regras do jogo.

Entretanto, existe um aspecto que a cada processo de observação dos cientistas políticos fica mais evidente quando o assunto é o respeito ao código eleitoral: a fraude na prestação de contas.

É fato a existência de diversos mecanismos que promovem o ocultamento dos valores arrecadados e das fontes de financiamento, mas estas linhas não tratarão especificamente das estratégias utilizadas para enganar a justiça, mas sim, das razões que levam ao ocultamento das contribuições, dos valores aproximados de uma campanha eleitoral e, finalmente, da confrontação entre os valores médios de uma campanha eleitoral com aquilo que é apresentado pelos candidatos aos tribunais eleitorais.

Existem diferentes razões para que os candidatos não apresentem, em suas prestações de contas, o nome de seus doadores. Tais razões podem ser divididas em dois grupos: corrupção e cálculo político-eleitoral.

Não se trata de definir com precisão o que venha a ser a corrupção, uma vez que temos o significado geral do termo impresso em nosso vocabulário certamente com bastante precisão. Entretanto apenas para dispor o termo no ambiente em que necessitamos aborda-lo, a corrupção é, de modo geral, um fenômeno em que determinado indivíduo, servidor estatal (funcionário público de qualquer natureza), executa uma ação fora dos padrões normativos das instituições públicas, com o fito de receber alguma recompensa em troca do favorecimento de interesses pessoais e em prejuízo do interesse público.

A corrupção corrói a dignidade do cidadão, aprofunda a má distribuição de renda no país, alimenta as desigualdades sociais, ameaça o sistema democrático, corrompe as instituições, prejudica a formação do civismo e do sentimento de pertencimento a uma coletividade, além de significar perdas monstruosas de dinheiro público que são desviados para organizações criminosas de todos os tipos.

A corrupção é umas das principais chagas do país. Ela é uma permuta nefasta entre aquele que corrompe e aquele que se deixa corromper. “A corrupção é uma forma particular de exercer influência: influência ilícita, ilegal e ilegítima. Amolda-se ao funcionamento de um sistema, em particular ao modo como se tomam as decisões. A primeira consideração diz respeito ao âmbito da institucionalização de certas práticas: quanto maior for o âmbito de institucionalização, tanto maiores serão as possibilidades do comportamento corrupto. Por isso a ampliação do setor público em relação ao privado provoca o aumento das possibilidades de Corrupção. Mas não é só a amplitude do setor público que influi nessas possibilidades; também o ritmo com que ele se expande. Em ambientes estavelmente institucionalizados, os comportamentos corruptos tendem a ser, ao mesmo tempo, menos freqüentes e mais visíveis que em ambientes de institucionalização parcial ou flutuante” (Bobbio & Matteucci).

No manual para ONG´s “Monitoreo Cívico del Gasto en Propaganda Política” a questão da importância das instituições também é citada como barreira que se impõe contra os atos de corrupção. “Tanto o financiamento quanto a corrupção estão intimamente relacionadas com a qualidade do governo e com a magnitude das economias informais (economias que estão fora do controle estatal) de cada país. Quanto menor a qualidade do governo e maior a economia informal maiores serão também os riscos e a falta de transparência nas campanhas eleitorais e no financiamento dos partidos.”

A corrupção no sistema eleitoral pode ser realizada de diversas formas, mas, como já foi afirmado anteriormente, o foco deste texto está na questão do financiamento de campanhas eleitorais. Neste sentido, a corrupção está no ato de ocultar as doações de campanha com a criação do chamado “Caixa Dois” ou, nos termos legais, manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, ou ainda, em termos políticos contemporâneos, utilizar de recursos não contabilizados para favorecer candidatos ao longo das disputas eleitorais.

O Caixa Dois, (ou os recursos não contabilizados), fere as regras da disputa eleitoral na medida em que oferece ao candidato a possibilidade de efetuar a captação de financiamento por meio de fontes cuja idoneidade não pode ser confirmada, fontes que os eleitores não têm o conhecimento (e que portanto não entram no cálculo de decisão de cada eleitor em votar ou não neste ou naquele candidato) e fontes que eventualmente estão proibidas de praticar esse tipo de doação.

Além disso, e o pior, o Caixa Dois é uma porta de entrada privilegiada para a lavagem de dinheiro proveniente de outros atos ilícitos, tais como o roubo, contrabando, narcotráfico etc.

As possibilidades são imensas e variadas e certamente muito mais sofisticadas do que a capacidade da Justiça Eleitoral fiscalizar a ação delituosa com a qualidade e perfeição que toda a sociedade, inclusive a própria justiça, esperam. De fato, a corrupção no sistema eleitoral é uma realidade indiscutível, cuja soma dos valores ninguém consegue calcular.

O truque está, basicamente, em “esquentar” o dinheiro por meio de notas fiscais de fornecedores que emitem as notas e recibos sem que o serviço tenha sido prestado. Por outro lado, outra forma comum de burlar a lei é contratar serviços que de fato são executados a bem das campanhas, mas cujas notas não são emitidas. Dessa forma é possível, por exemplo, imprimir uma tonelada de papéis para material de campanha e emitir uma nota com apenas cem kilos discriminados.

Apenas para revisar, é importante demonstrar que o Caixa Dois tem dupla função: esconder um doador e/ou “esquentar” dinheiro proveniente de organizações criminosas. Entretanto, aquela que é utilizada em larga escala refere-se justamente ao ocultamento de repasses de recursos financeiros que não podem ser registrados, muitas vezes pela segunda razão, a qual foi citada nas páginas anteriores: o cálculo político-eleitoral.

Certa feita, o ex-presidente americano Richard Nixon disse que “os agentes do Serviço Secreto protegem os candidatos contra os maníacos e os pesquisadores de opinião os protegem contra os eleitores. Ao mesmo tempo, os assessores de campanha vendem ao candidato um pacote completo: mensagem, estratégia, tática e infra-estrutura e dão assim aos eleitores não uma opção entre vários candidatos, mas uma opção entre vários pacotes.”

A frase é valiosa para explicar a razão que faz parte do segundo grupo anteriormente citado: o cálculo político-eleitoral.

Nas próximas páginas abordaremos a questão propriamente das campahas eleitorais, suas estruturas, dinâmica e demandas necessárias para que o resultado seja satisfatório. No entanto, uma coisa é certa: toda candidatura representa um “pacote” e muitos candidatos não estão interessados em rechear seus pacotes com doadores considerados inadequados para a sociedade, nem tampouco o eleitor aceitaria um pacote, ainda que muito bem embrulhado, cujo conteúdo possa ferir seus ideais, costumes ou preceitos morais.

Dessa forma, é comum, dentro do cálculo político-eleitoral os comandos de campanha ou mesmo os próprios candidatos vetarem determinados nomes de doadores, ou seja, “aceitamos o seu dinheiro, mas negaremos publicamente qualquer relação com sua empresa”. Ainda que por um momento seja razoável imaginar que a recíproca seja verdadeira, muitas empresas encaram esse tipo de relação com bastante naturalidade, uma vez que seus interesses em determinadas votações são infinitamente mais importantes do que a divulgação que determinado político conta com seu apoio.

Empresas com imagem pública arranhada, fábricas poluidoras, indústrias de cigarros, bebidas ou mesmo grandes corporações com interesses bélicos são alvos freqüentes de ataques de membros do governo, ONG´s ou de cidadãos descontentes com seus ramos de atuação. Muitas vezes para determinados políticos vincular a sua imagem ao de empresas de pouca ou nenhuma reputação converte-se num golpe fatal para suas pretensões de chegada ao poder e, ao mesmo tempo, um saboroso prato para seus oponentes.

Por outro lado, o Caixa Dois também é utilizado para engendrar os mais complicados métodos de fraudes contra a Receita Federal, afim de “esquentar” dinheiro proveniente de operações ilegais nos mais variados ramos de atividade do crime. Neste quesito, vale lembrar que existem poucas provas e/ou casos da narrativa policial em que as autoridades conseguem detectar operações deste tipo, ainda que possamos encontrar na literatura, seja a policial, jornalística, política ou acadêmica (notadamente com os autores que estudam a questão da corrupção em sistemas eleitorais) indícios de práticas que vão desde a lavagem do dinheiro proveniente de operações vinculadas ao contrabando, roubo de cargas e narcotráfico, até o uso indevido de recursos públicos destinados a partidos políticos, desviados para os mais variados fins, estranhos àqueles que a Justiça Eleitoral determina.
(publicarei nos próximos dias o último post da série)

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